terça-feira, abril 20, 2010

Um pouco de sol


Está um tempo assim a dar para o mais ou menos, entre o esperado e o que poderia levar ao desespero as almas mais instáveis. Ora chove, ora faz sol, as pessoas, como de costume, queixam-se que "o tempo anda maluco", talvez por não saberem falar de mais nada com tamanha convicção.

Ainda me lembro (se bem que vagamente) de estudar as estações do ano. Andava eu de calções e media menos de um metro e meio de altura.

Eram quatro. Magníficas e imutáveis, perfeitamente caracterizadas em sábias palavras enformadas na mais prosaica experiência de vida: Primavera, Verão, Outono e Inverno. O mundo a fazer sentido, o universo perfeitamente ordenado. Penso que a sucessão metódica das estações que aprendíamos a papaguear com alguma elegância na velha escola primária, servia também para provar a existência de Deus. A coisa vista assim dava Dele a imagem de um cientista com queda para a matemática e possuidor de uma alma de artista, capaz de criar as coisas mais maravilhosas, ainda que bem temperadas de horrores climatéricos inomináveis e outras bizarrias que não vêm agora a propósito.

Mas, naquela época, o mundo era mais pequeno. Melhor dizendo, era um mundo incompleto. Faltavam-lhe satélites a rondar constantemente o globo suspenso no cenário divino e faltava-lhe a INTERNET. Não havia tantos aviões a ligar os continentes e a levar tudo e todos para todo o lado. Era um mundo menos histérico, mais desinteressante, menos consumido.

Podiam morrer centenas de pessoas numa enxurrada no Brasil ou uns milhares num tremor de terra no Chile que um gajo continuava a dormir descansado por não ter maneira de saber nada do que por essas bandas se passava. Deus é que sabia de tudo, os homens não. Não tinham nada a ver com isso. As notícias chegavam como ecos de um passado mais ou menos distante. O terror levava muito mais tempo a ganhar uma forma que assustasse.

Agora não. Agora estamos sempre à espera da grande notícia do dia, a grande catástrofe que pode surgir online a todo o momento. Ele é o vulcão que tapa o céu com um cobertor de cinza ou a falência eminente do estado português. A extinção de mais uma espécie exótica na selva do Bornéu ganha uma familiaridade inesperada, comparável à da morte de uma vizinha velhota.

Mas, não terá sido sempre assim? Não houve sempre vulcões e falências um pouco por todo o lado? Espécies que se descobrem, que morrem ou são esquecidas? O Caos do mundo não existe desde a eternidade?

O problema, o nosso problema, é que agora estamos constantemente ligados ao Caos e não temos cabeça para lidar com isso. Os nossos cérebros simplesmente não têm capacidade para lidar com as torrentes de informação que os submergem. E nós afogamo-nos a cada minuto uma e outra vez, todos os minutos que passam.

Primavera, Verão, Outono, Inverno. Não é preciso ser um cientista para perceber que nem sempre foi assim e que, decerto, em breve irá deixar de o ser. Dêem-me um pouco de sol pela manhã e já poderei ser feliz mesmo debaixo de uma chuvada intensa que venha inundar a parte da tarde.


4 comentários:

Tiago Alves disse...

ligo a televisão tenho quase 100 canais. ligo o computador e tenho toda a informação que quiser. nem o velhinho jornal está desactualizado.

o problema não está na tecnologia, está na forma como a usamos. e isso não nós é ensinado, talvez por ser uma coisa recente. não me foi ensinado na escola a saber separar toda a informação que recebo a cada minuto.

ando há uns tempos para escrever algo no meu blog sobre isto, parece que finalmente tenho uma desculpa :D

Silvares disse...

Pois é, há coisas que ou aprendemos à nossa custa ou nunca aprendemos de todo. Neste caso, a não aprendizagem pode levar-nos até uma situação de overdose informativa que normalmente deixa os seres humanos em estado vegetativo, pairando em frente de écrãs.

Anónimo disse...

Acho oportuna a reflexão, mas tenho absoluta certeza que estamos avisados ( pela natureza ) e as providências para evitar o pior estarçao sendo tomadas! Mas uma coisa é certa, o mundo nunca mais será o mesmo de ontem! Infelizmente!

Silvares disse...

Eduardo, pensamento positivo. Por vezes é isso que nos falta. Outras vezes fica sobrando... o mundo está sempre em (r)evolução... e nós com ele!