No seu editorial de Domingo, 14 de Janeiro, José Manuel Fernandes (JMF) afadiga-se a dar mais umas pauladas no ceguinho que designa por “criador”, assim mesmo, com aspas tremendas e arrasadoras.
Começando por enumerar uma série de situações que, em seu entender, provam a existência de um público interessado nos mais variados eventos culturais, JMF conclui que “o nosso problema não é criar públicos para a cultura” mas sim oferecer ao público eventos de qualidade garantida que ele logo acorre em grande número. Prova disso seriam as longas filas de visitantes que aguardaram pacientemente a sua vez de entrar na exposição dedicada a Amadeo e às vanguardas artísticas do início do século passado que, finalmente, estão ao alcance de grande número de portugueses. Esquece JMF que muitos desses estóicos visitantes são, precisamente, fruto de um paciente trabalho de criação de públicos para a cultura para o qual a Fundação Calouste Gulbenkian, (juntamente com outras instituições e, pasme-se, o próprio ensino público) muito tem contribuído ao longo de décadas. Trabalho de criação de públicos começado, mais coisa menos coisa, após a revolução de 25 de Abril de 1974 que começa, finalmente, a dar frutos bem visíveis. Imagine JMF uma exposição de Francis Bacon em Portugal há 30 anos atrás. Quantos visitantes teria, por muito exemplar que fosse o trabalho de divulgação? Os públicos que tanto entusiasmam JMF não saem de baixo das pedras nem são resultado de um qualquer milagre de geração espontânea.
Esquece JMF que Amadeo, ou Van Gogh ou Pessoa, foram também, na sua época, considerados “criadores”, desses entre aspas e que apesar do desprezo a que foram votados pelos guardiães da verdade e do bom gosto aí estão prontos a deslumbrar multidões nos dias de hoje.
Teria alguma curiosidade em saber quais os eventos desses nossos “criadores” contemporâneos que foram brindados com a presença de JMF para poder ter uma noção mais aproximada daquilo a que ele se refere quando fala da “sobranceria de quem entende que é um “criador”(…) indiferente [a] ter ou não público desde que tenha dinheiro no banco ao fim do mês.” Há quem não acredite, mas alguns deles são Criadores.
Dizia a canção que “demagogia feita à maneira é como queijo numa ratoeira”. Ora nem mais.
Carta enviada ao director do Público
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