No seu texto de hoje no Público, Vasco Pulido Valente põe o dedo numa ferida que ando a lamber vai para bastante tempo. Reflecte acerca da "crise" que Portugal atravessa concluindo que a dita cuja não é mais que uma velhíssima tradição nacional. Concordo.
Realmente já muitas vezes tinha perguntado a mim próprio quando estiveramos num tempo que não fosse de "crise". Sim, porque para estarmos a "atravessar uma crise" isso implicaria um ponto de partida fora dela e outro ponto, de chegada, igualmente afastado da tormenta uma vez finda a travessia. Como aquelas personagens nos desenhos animados que se arrastam a suar as estopinhas ao longo de uma complicada travessia do deserto.
Pensando um pouco a nossa querida "crise" é, na verdade, um composto explosivo e altamente inflamável de uma série de "crises" mais pequenas e diferenciadas.
Ele é a crise económica (a que parece preocupar mais as cabeças pensantes), mais a crise da educação, a crise de valores, a crise cultural, a crise ecológica, enfim, tudo misturado e posto em repouso resulta na grande "crise", a mãe de todas as maleitas e dores de parto com que se dabate a nossa sociedade.
Ora isto parece-me mais feitio que defeito, verdadeiro modo de vida. Sem a "crise" não saberíamos o que fazer das nossas vidas. É a "crise" que nos faz lutar por um mundo melhor. Em última análise, a "crise" encerra o mistério último do sentido da vida e da existência humana.
Quando começou a "crise"? Quando terminará? Temo que nunca termine, que seja eterna.
Fui de súbito assaltado pela ideia de que a própria ideia, a essência de Deus (assim mesmo, com letra gorda) deriva da constatação da "crise". Deus seria simultaneamente representação do mal que nos ensombra a vida e da esperança (fé) em conseguir encontrar um modo de a ultrapassar. Até porque a saída da "crise" conduzirá decerto à porta do Paraíso. Sem "crise" estará tudo bem.
Deus queira!
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