Olhando para trás havia as escarpas do passado que se precipitavam como loucas naquele mar estranhamente quieto e solitário, que era a vida que tinha vivido até ali. Deu por si naquele preciso lugar, suspenso entre o tempo e o espaço, aquele lugar que era ele próprio, um exacto momento.
Olhando para trás abarcava toda aquela desolada paisagem: o seu passado; penedos afiados que pareciam implorar qualquer coisa a um céu demasiado cinzento e carregado, uma vegetação açoitada por um vento semelhante a facas atiradas sobre o mundo por um deus simplesmente enfastiado. Custava-lhe suportar aquela visão sem que as lágrimas lhe viessem bater às janelas dos olhos.
Quando isto acontecia fechava os olhos com violência e recusava-se a acreditar que a vida fosse apenas aquilo. Depois voltava a molhar a torrada na chávena onde repousava, quieto, o café-com-leite, horizontalizava um longo sorriso felino na direcção da filha mais velha (que transformava em boquinha de cú para fazer rir a mais nova) e passava os olhos pelo écrã da televisão que mostrava sempre imagens desfocadas de filas de carros que pareciam tentar apenas tornar-se mais nítidos e coloridos sem que nisso tivessem a mínima sombra de sucesso.
Reconheceu em tudo aquilo e mais no sol (que lá fora brilhava como ouro) outra manhã que se anunciava gloriosa.
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