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Primeiro o de Nick Cave, no Coliseu de Lisboa. As expectativas num concerto deste matreco são sempre elevadas. Antes deste já tinha assistido a vários espectáculos do velho Nick mais os seus Bad Seeds. As memórias eram boas. Intensidade, dinamismo, rock'n'roll. Esperava mais do mesmo. Só isso.
A sala estava a abarrotar de um público rendido à partida, entusiasta, como de costume. Nick Cave tem em Portugal uma legião de adeptos fiéis e conhecedores nos quais me incluo. Mais ou menos. Mas o que eu vi e ouvi não foi aquilo que esperava. Vi um Nick Cave algo enfadado (talvez seja a idade a pregar partidas, a dele e aminha, não sei bem) e ouvi uma banda desacertada, amorfa, a cumprir a função sem ponta de entusiasmo. Uma espécie de coisa inevitável. Nós compramos bilhete, eles tocam e pronto. Está feito. É negócio, como dizia Frank Zappa no título de um dos seus numerosos álbuns de originais.
Saí igualzinho ao que tinha entrado. Nem sequer posso dizer que fiquei desiludido.
5 dias mais tarde fui ao Grande Auditório do CCB para ver e ouvir Meredith Monk uma senhora com 65 anos que faz música muito estranha. As minhas expectativas eram pouco elevadas. Esperava passar um bom bocado mas imaginava um bocejo aqui, uma pálpebra mais pesadota ali, enfim, fui mais pela companhia, tempo e espaço, menos pela hipótese musical.
Mas, surpresa das surpresas, a coisa funcionou em pleno. O concerto foi estranhamente agradável. Pela diferença, pelo inesperado, pelo resultado estonteante que Meredith Monk consegue obter aplicando processos criativos de uma simplicidade desarmante. Beleza pura como só a beleza pode ser.
Em tempos de empacotamento global com rótulo digital, os bilhetes dos dois concertos (imagem acima) são iguais como duas folhas da mesma árvore. Os espectáculos com eles relacionados não podiam ser mais diversos. Aqui há uns anos, os bilhetes dos concertos eram "personalizados" ao ponto de serem guardados com algum prazer de coleccionador (ainda tenho alguns por aí esquecidos). Os bilhetes diziam qualquer do artista e da sua performance. Hoje sai tudo da mesma maquineta. Sinal dos tempos.
Outra coisa que me ficou destes dois bilhetes tão parecidos foi perceber (mais uma vez, andava meio esquecido) como o preconceito em questões relacionadas com a arte pode deixar-nos longe de objectos excelentes e levar-nos para perto de outros bem mais modestos na sua essência mas cuja aparência nos atrai como borboletas para a luz de uma vela.
Perigoso!