quinta-feira, outubro 05, 2006

O muro


Escrevo esta carta por estranhar que a notícia do possível muro, na América, tenha caído em saco tão roto. Aqui há dias foi uma bomba! O senado norte-americano aprovara a construção de um muro na fronteira dos states com o México. No noticiário televisivo apareceu até um ministro mexicano a tentar mostrar toda a indignação que a tal proposta lhe causava, com cara de quem vê um pato-bravo a querer tapar-lhe o sol com um prédio clandestino. Tentava mas, pela expressão do seu rosto, não o conseguia por não haver palavras nem expressão facial suficientemente eloquentes numa situação como esta. “Grande bronca!”, pensei eu. Mas, afinal, desde esse dia… silêncio.
Talvez o muro não venha a existir. Espero bem. Talvez não passe de mais uma ideia neoconservadora sem pés nem cabeça como tantas outras que se vêm revelando à luz dos dias quando vão passando. Tudo isto parece tão ridículo! Mas já parecera ridícula a ideia de que alguém com dois dedos de testa pudesse imaginar os cidadãos de Bagdad aclamando o exército americano, sedentos de democracia e hambúrgueres, mas houve quem o imaginasse.
A hipótese de construir o tal muro diz muito do espírito global que anima o nosso mundo. Este mundo do “lado de cá” que também ganha expressão em Israel. Levámos uns anitos para nos decidirmos a derrubar o muro de Berlim. Ainda me lembro da festa que foi, caramba! Afinal passou tão pouco tempo e já voltamos a imitar os antigos imperadores chineses. Ou aprendemos pouca coisa ou, afinal, estávamos enganados e os muros são uma boa solução para certos problemas.
Como disse um dia Vítor Pereira, saudoso ex-árbitro do nosso futebol, muito antes de os apitos serem dourados, “Desde que vi um porco a andar de bicicleta já nada me espanta.” Será que ainda haveremos de dizer, “Desde que vi construir um muro na fronteira dos states com o México já nada me espanta.”?
Enquanto não chega a nova temporada circense podemos sempre imaginar qual o novo número que vão inventar para nos deixarem de queixo caído.


Carta ao Director do Público. Os dois últimos parágrafos foram, compreensivelmente, "cortados" na página do jornal. Continuo a não acertar o tom do meu sentido de humor.

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