quarta-feira, março 24, 2010

Vertigem matinal


O título da notícia assusta um pouco: "Um quinto da população (portuguesa) tem doença mental". Chiça, é muita gente e o país é tão pequenino... Pousei o jornal e rodei o olhar à minha volta.

Na mesa em frente um casal aí pelas bandas dos cinquenta e muitos comia o pequeno-almoço. Reparei que o homem devia ser muito baixinho pois os pés tocavam o chão com a ponta dos sapatos. Tinha uma pele avermelhada e os olhos papudos, muito inchados. A senhora, atrás de uns óculos estranhos e debaixo de um penteado a condizer, mastigava a torrada com o olhar fixo no infinito da parede. Não trocavam palavra, pareciam comunicar através da mastigação ponteada com um ou outro slurp na chávena de café-com-leite. A notícia fazia sentido.

Despeguei a atenção do casal e fui deitar os olhos num velho que, tal como eu, lia um solitário jornal. O homem estava totalmente concentrado na leitura. Curvado sobre a mesa, ajeitava os óculos de vez em quando naquilo que poderia ser um tique. Seria aquele gesto automático indicador de algum tipo de perturbação mental a pedir droga prescrita por um médico especializado?

Ao balcão uma mulher jovem falava alto demais sobre qualquer coisa que não me interessou. O volume da conversa pareceu-me desajustado mas lembrei-me que o seu interlocutor, o dono do café, é um pouco duro de ouvido o que explicava aquela trovoada verbal.

Estava eu neste exercício voyeurista quando me apercebi do que estava a fazer, a olhar as pessoas, desconfiado e sugestionado por uma notícia de jornal. Envergonhado, virei a página de forma um tanto desajeitada e li uma pequena nota que informava que "A Samsung anunciou ontem o lançamento, no final deste mês, da primeira televisão com tecnologia 3D a chegar ao mercado português. Trata-se de um "marco histórico", disse o director da unidade de electrónica de consumo da Samsung, Filipe Carvalheiro, que permitirá passar de uma "atitude passiva" para uma dinâmica "interactiva e imersiva" de ver televisão." É mesmo disto que estamos a precisar! É bem possível que os portugueses andem deprimidos e desorientados por lhes faltar a possibilidade de uma atitude mais interactiva e, sobretudo, imersiva quando olham para a televisão, quais bois contemplando um magnífico palácio.

Mais descansado voltei a olhar as pessoas em volta que me pareceram bem mais dinâmicas e... normais, por assim dizer. Tal como eu.

4 comentários:

Anónimo disse...

Já dizia o poeta, que de perto ninguém é normal né?
Silvares, vem mesmo no verão pra cá? Então vem preparado pra enfrentar um verão úmido asiático.
Sou suspeita pra falar, mas vai deparar com a gentileza delicada de quase todos os japas que encontrar. Magnífico país, povo amabilíssimo e nem preciso falar de uma cultura fenomenal. Difícil dar dicas, porque cada um quer viajar através do seu mundo subjetivo pra conhecer um país. Nem sei se estou sendo clara. Mas Japão é maravilhoso porque nos faz perceber que a beleza está nos detalhes.
Além de oferecer hotéis para nenhum turista botar defeito, no Japão, tem os famosos, ´´ryokans´´ , ou seja, são pousadas típicas japonesas (com tatame, ofurô, futon, refeições típicas), para os que queiram sentir num lar verdadeiramente japa, rs.
Os melhores ryokans em cidades como Tokyo e Kyoto podem custar verdadeiras fortunas e os de médio padrão não agradam muito. A ver isso.
Vamos conversando né?
abraço
madoka

Lina Faria disse...

Normal?
Qual seria a atual norma?

Dalton Trevisan, nosso contista maior, fala "Toda a familia curitibana tem um louquinho trancado no porão..
hehehe..."

the dear Zé disse...

Quero! Não me contenho de excitação e a expectativa mata-me. O aparelho que me vai retirar o prozaque, o ritalim e o bagaço. Quero imergir na interactividade e nadar regalado no éter dinâmico das ondas em 3dê. Já vou poder por a pistola no prego e dormir descansado. Mal posso esperar. Não consigo esperar, rôo as unhas e o bigode. Bebo mais um copo, faço uma promessa a 7 virgens diferentes e mato um galo preto na encruzilhada. Bato no puto e na mulher enquanto o aparelho não chega,que raio.

Silvares disse...

Madoka, espero que vistos de perto os "japas" não me pareçam demasiado loucos. A minha expectativa é muito grande, como pode calcular.

Lina, Curitiba parece-me cada vez mais um lugar afogado em interesse e misteriosa beleza.
:-)
As suas fotos ajudam muito a construir essa impressão.

Caçador, agora tens um bigode que se pode morder e tudo? Não admira que andes a precisar de uma TV3D, "imersiva"... é este "imersiva" que me faz sonhar e dar uma sapatada na catraia, só para desenjoar.
:-D