A notícia não é de primeira página, é quase secreta (ler aqui). Mas é uma notícia ilustrativa do modo como a nossa sociedade se vai tornando, a cada dia que passa, numa coisa cada vez mais pastosa e peganhenta.
O universo editorial português foi recentemente engolido pela editora Leya que adquiriu e amalgamou numa casa só uma série de editoras que vinham construindo o universo dos livros em Portugal. A ASA, a Caminho, a Dom Quixote, entre outras, foram adquiridas por este gigantezito editorial, vergadas a uma lógica de mercado que obedece à célebre Lei de Lavoisier.
Certamente embalados pela visão magnífica do físico francês, os responsáveis da Leya resolveram destruir um número considerável de obras literárias que se encontravam armazenadas. A razão: dificuldade de colocação das ditas obras no mercado. Um objectivo: reconverter o papel dos livros em pasta de papel para futuras edições do Grupo Leya. Também nesta natureza plastificada que é a sociedade de consumo nada se perde, tudo se transforma.
A tal notícia revela que: Dezenas de milhar de livros da autoria de Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Eduardo Lourenço e Vasco Graça Moura, publicados pela ASA ao longo da última década, foram destruídos recentemente pelo Grupo Leya. Atente-se nos autores referidos e fica-se com uma ideia da amplitude do acto.
A lógica neoliberal e pós-moderna justifica a atitude. Afinal o Grupo Leya tem o lucro como principal (único?) objectivo para a sua existência. É a lógica de que tudo é descartável e tem um prazo de validade, que a volatilidade das modas comanda o mundo que vamos habitando. Nos tempos que correm a lógica consumista encurta o tempo de vida útil de todos os objectos sejam eles telemóveis, pares de sapatos ou livros. Não há distinção. As coisas são feitas para serem consumidas num curto espaço de tempo.
A questão que se coloca é: e a nossa sociedade também é objecto de consumo? Tem um prazo de validade? A Democracia também pode destruir-se para fabricar um sucedâneo que se lhe assemelhe vagamente mesmo que seja mais uma coisa pastosa?
9 comentários:
É de arrancar os cabelos.
Puxa, Silvares,
livros também deveriam ser tombados como patrimônio cultural,
mesmo que com vários exemplares iguais.
É como jogar alimento fora.
Bom texto com uma divertida fotografia. Parabéns!
Temos um ditado aqui, para quando a situação está muito, muito complicada : " urubu de baixo está cagando no de cima ".
Parece que podemos usá-lo em relação à nossa sociedade. Nossa , porque hoje globalizada
andam a dar facadas na CULTURA...na ARTE.
é tipo pastilha elástica,...prova, mastiga e deita fora.
Fahrenheit 451, que tempos!
bjo
madoka
madoka: :-))) dou-lhe toda a razão.
Pois. E essa coisa dos livros de venderem no hipermercados tornou-se uma coisa perversa. Levou as livrarias à falência - fecharam tantas - e diminuiu a oferta de um modo drástico. Na porcaria dos supermercados só de vendem bestecelers ou mais ou menos, o resto não entra. Ora as livrarias precisam destes para para maior liquidez, já que outros títulos vendem mais lentamente. Se não vendem a quantidade, devido à concorrência das grandes superfícies, não sobrevivem vendendo só a qualidade. E encerram. E livros com menor procura e menores tiragens deixam de ser publicados e o mercado vai ficando mais pequeno. Isto é, há muita quantidade de lixo que vende bem mas com cada vez menos títulos. E essa porcaria da leya veio piorar ainda mais a situação. Uma porra.
Com o cinema e os centros comerciais aconteceu o mesmo, muitas salas mas sempre com os mesmos filmes em todas elas.
Aqui há uns anos haveriam menos salas (espalhadas pelos bairros de Lisboa e o resto do país) mas maior diversidade de oferta, com um filme diferente em cada sala.
Enfim, coisas pastosas...
Madoka lembrou Fahrenheit 451 com grande oportunidade. Parece ficção...
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