O interior do automóvel era, no mínimo, luxuoso. A qualidade do som disparado pelas colunas (em sistema surround) não deixava nada a desejar que não fosse, talvez, outro artista. Ali dentro, tinhamos a sensação de pairar acima da rua, como se as rodas do carro não tocassem o solo.
Segurança, elegância, comodidade, não havia anúncio publicitário capaz de fazer justiça ao veículo maravilhoso em que as nossas cabeças vogavam, esquecidam das partes pesadas do corpo. O som vomitado pela aparelhagem troava nos ouvidos dos passageiros como uma tempestade de Verão acabadinha de fabricar lá nas alturas.
"God save the queen"... berrava o gajinho na parelhagem, "... and her fascist regim!" concluia, com guturais espasmos da sua garganta ensandecida.
O carro continuou a navegar o céu, impassível. "No future, no future, no futuuuuuuurrrreeee....", no meio de um tal luxo asiático haveria alguém capaz de dar crédito ao furioso vocalista no CD? Ok, ok, não há futuro, pronto. Deixa lá essa merda.
2 comentários:
Adoro esse tipo de paradoxos.
Gosto de lhes chamar "hipocrisias inconscientes". É fácil encontrá-los por aí se olharmos para o mundo do ponto-de-vista de quem o vê apenas a preto e branco, sem cinzentos.
Um dos meus favoritos é a publicidade à Coca-Cola na "Festa do Avante".
Há muito exemplos por aí, pano para muitas mangas, camisolas e casacos.
Dava um bom livro, agradável de ler, com certeza.
Cada vez mais os paradoxos são facilmente explicáveis e aceitáveis. O factor económico é um belo alimento dos paradoxos mais espectaculares.
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