sexta-feira, maio 29, 2009

O entusiasmo


Um gajo pode saber muito sobre determinado assunto e estar disposto a partilhar essa sabedoria com outras pessoas. Mas, se não colocar algum entusiasmo na sua acção, a coisa pode falhar. Um outro gajo pode não saber nada de especial, ter apenas algumas luzes sobre o mesmíssimo tema (de que o gajo da 1ª frase é renomado especialista) e, graças a um entusiasmo apaixonado, conseguir um êxito muito maior perante uma plateia de seres mais ou menos vivos e atentos.

Ninguém ensina nada a quem não quiser aprender. Isto é mais evidente que outra qualquer evidência. Assim, a principal tarefa de quem deseja ensinar alguma coisa, é despertar no outro a vontade de aprender essa coisa. Seja a melhor maneira de cozer um ovo de garnizé ou a espantosa variedade de linguagens plásticas na arte contemporânea. Um tema chato pode transformar-se na coisa mais entusiasmante do mundo, tal como um tema apaixonante se pode transformar num verdadeiro soporífero.

Estou em crer que o segredo (isto é um segredo!?) reside no entusiasmo. A nossa capacidade de mergulhar completamente no acto de comunicação é fundamental para podermos aspirar a ter êxito.

Isto é válido para um professor, para um artista, para um desportista ou para um caixa de supermercado. É válido para todos nós. Entusiasmo pela vida, paixão pela comunicação precisam-se com urgência e em permanência.
Não sejamos chatos.

segunda-feira, maio 25, 2009

Profecia estética


A arte abstracta é concreta e, pelos seus meios de expressão especiais, é até mais concreta do que a arte naturalista. Nos tempos futuros a obra de arte será substituída pela realidade imediata do mundo que nos rodeia (…). Mas, para o conseguir, é necessário que nos orientemos no sentido de uma ideia universal e que nos libertemos da tirania da natureza.Então já não teremos necessidade de quadros nem de esculturas porque viveremos dentro da arte tornada realidade. A arte desaparecerá à medida que a própria vida ganhar em equilíbrio.


Piet Mondrian


Mondrian acreditava que, um dia, haveríamos de atingir um tal estado de desenvolvimento ético que a obra de arte seria concretizada numa organização estética da sociedade humana. Imaginava uma espécie de super-humanismo capaz de relegar o objecto artístico para um plano secundário, sobrepondo-se, em todo o seu esplendor, um mundo tão organizado e límpido quanto as suas pinturas. Um mundo artificial, capaz de corresponder exactamente aos mais ínfimos anseios do ser humano.

Por enquanto a arte permanece e parecemos estar longe da utopia vanguardista de Mondrian. Alguma vez se realizará a sua profecia?

sexta-feira, maio 22, 2009

Abrir os olhos


A mulher mais velha parecia demasiado nova para ser avó e a outra mulher parecia demasiado jovem para ser mãe das três pequenitas que saltitavam uns passinhos meio a correr para um lado e para o outro sobre o passeio ensolarado de uma rua almadense debaixo daquele sol das três da tarde. As pequenitas tinham corpinhos exactos, de pessoa pequenina com cabeça demasiado grande, como devem ter as pessoazinhas daquele tamanho, naquela idade. Nem ponta de gordura, só e apenas o músculo da eterna juventude em pleno exercício de direitos e faculdades. Passei pelo grupo sem o ver muito melhor do que atrás fica descrito. Foi então que as minhas costas ouviram a frase que me ficou gravada mais acima, no cérebro, decerto declarada pela tal rapariga que poderia ser mãe das crianças, embora não o parecesse mas isso fosse o mais provável: "Se abrires os olhos não vais contra as coisas." Pronto. "É isso mesmo!", pensei, o melhor conselho que um adulto (ou quase adulto) pode oferecer a quem ainda o não é. Continuei a caminhar. Não me voltei para ver o que não era necessário ser visto. A frase bastou para me alimentar os passos até entrar no Clube de Vídeo e deixar o sol a queimar apenas as pedras da calçada.
"Se abrires os olhos não vais contra as coisas", que grande conselho!

quarta-feira, maio 20, 2009

Mudam-se os tempos, mantêm-se as perspectivas


Recebi por e-mail a mensagem que a seguir transcrevo:

Falando sobre conflitos de gerações, o médico inglês Ronald Gibson começou (imagino que recentemente) uma conferência citando quatro frases:

1. "A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais e são simplesmente maus."
2. "Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque esta juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível."
3. "O nosso mundo atingiu o seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe."
4. "Esta juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de antigamente... A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura."

Após ter lido as quatro citações, ficou muito satisfeito com a aprovação que os espectadores davam às frases.

Então, revelou a origem delas:
- a primeira é de Sócrates (470-399 a.C.)
- a segunda é de Hesíodo (720 a.C.)
- a terceira é de um sacerdote do ano 2000 a.C.
- a quarta estava escrita em um vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilónia e tem mais de 4000 anos de existência.

O que poderá isto significar? Que a velhice é coisa que não muda nunca, tal como a juventude será sempre uma coisa velha? Que, com computador e i-pod ou com pergaminho, charrua de madeira e ausência de sistema de esgotos, há algo de tão profundamente essencial nos nossos comportamentos que nos limitamos a repetir as observações que fazemos ao longo dos séculos? Uma e outra vez, numa infindável cadeia de lugares comuns? Mesmo quando imaginamos estar a produzir uma observação reveladora e a formulamos, expondo-a ao próximo, estamos apenas a repetir uma banalidade confrangedora já observada, dissecada e formulada há milhares de anos atrás?

Dizem que não há nada de novo debaixo do Sol. Se calhar esta estupidez até faz algum sentido. As coisas são todas tão velhas que nos esquecemos delas e, quando as redescobrimos, imaginamos estar a inventar algo de novo! Na verdade estamos apenas a reciclar e aquilo a que chamamos Ciência ou Conhecimento não passa de repescagem no imenso lago do esquecimento. Vivemos em constante estado de amnésia. Tentamos curar-nos mas, como já esquecemos tudo, nunca encontramos o remédio adequado. Enquanto a eternidade durar.

terça-feira, maio 19, 2009

Oxalá Te Veja na Estrada




Andam por aí os almadenses a coçar as cabeças tentando perceber como foi que o Cristo Rei fez 50 anos com direito a honras de chefe de estado e visita da Nossa Senhora de Fátima em forma de bonequinha e tudo. Deixem-se disso, ó meus conterrâneos de estimação, que nós temos por cá coisa melhor e com vistas semelhantes. Está aí o disco de estreia dos muito nossos Oquestrada, Tasca Beat, uma coisa digna de ser ouvida e desfrutada, difundida e, quem sabe, copiada, que os bons exemplos são para ser seguidos. Ouçam esta guitarra portuguesa e digam-me lá se não é possível inventar algo que se pensava que não podia ser inventado?
O Cristo Rei um dia destes mergulha, a Nossa Senhora, a esta hora, já voltou lá para a terra dela e o que nos resta, a nós, que vivemos em Almada? Ah, pois é!

domingo, maio 17, 2009

Desenrascados


Há coisas que se têm ou não se têm. São coisas impossíveis de explicar ou de exportar.
Várias pessoas me enviaram por e-mail o texto que se segue:


Desenrascanço, a palavra que os ingleses queriam ter
Um site norte-americano fez uma lista das 10 palavras
estrangeiras que mais falta fazem à língua inglesa.

A palavra portuguesa"desenrascanço" é a que lidera.

"Bakku-shan" é a palavra usada pelos japoneses quando se querem referir a
uma rapariga bonita, vista de costas.

"Nunchi" é outra das palavras escolhidas. É coreana e é usada
para falar de alguém que fala sempre do assunto errado, um género dedesbocado ou inconveniente.

"Tingo" é uma expressão usada na Ilha da Páscoa, Chile, e significa pedir
emprestado a um amigo até o deixar sem nada.

A lista das <http://www.cracked.com/article_17251_p2.html>"10 palavrasestrangeiras mais fixes que a língua inglesa devia ter" é liderada pela palavra portuguesa "desenrascanço".
Esta é a expressão que, segundo os autores do site norte-americano, mais
falta faz ao vocabulário inglês.

O "desenrascanco", segundo os norte-americanos.
Depois de percorrer duas páginas com explicações das nove palavras
estrangeiras mais fixes, chega-se ao número 1.
A falta da cedilha não importa para se perceber que estamos a falar do "desenrascanço",
tão típico da nossa cultura.

"Desenrascanco: a arte de encontrar a solução para um problema no último minuto, sem planeamento e sem meios", explica o site dando como exemplo ac élebre personagem de uma série de televisão, MacGyver."
O que é interessante sobre o desenrascanco - a palavra portuguesa para estas soluções de último minuto - é o que ela revela sobre essa cultura".

"Enquanto a maioria de nós[norte-americanos] crescemos sob o lema dos escuteiros 'sempre preparados',os portugueses fazem exactamente o contrário", prosseguem os autores.

"Conseguir uma improvisação de última hora que, não se sabe bem como, mas funciona, é o que eles [portugueses] consideram como uma das aptidões mais valiosas: até a ensinam na universidade e nas forças armadas. Eles acreditam que esta capacidade tem sido a chave da sua sobrevivência durante séculos".

"E não se ria: a uma dada altura eles conseguiram construir um império que se estendeu do Brasil às Filipinas" à custa do desenrascanço, sublinham os autores, terminando o texto:

"Que se lixe a preparação.Eles têm desenrascanco".

Uma vez por outra tenho orgulho em ser português.

sexta-feira, maio 15, 2009

5 coisas e uma ilha deserta (tertúlia virtual)






Assim de repente levava estas coisas. Não levava pessoas porque, com o veleiro, talvez conseguisse regressar. O "1984" porque ando há que tempos para o reler e ainda não me meti nisso. O resto, bom, o resto é mais ou menos óbvio. Talvez levasse umas cervejinhas escondidas.









quinta-feira, maio 14, 2009

Coelho sem Páscoa


Um coelho gigante fora da estação dos coelhos gigantes e que não deixa cair ovos atrás dos seus passos é, de facto, um estranho fenómeno. Dentro do coelho vive uma alma em apuros, talvez mesmo desesperada. Uma alma de artista que não parece encontrar neste mundo um lugar que deseje a sua arte. Este é um problema muito, mas mesmo muito, grande; quantos artistas não têm de se disfarçar de coelhos gigantes para poderem sair à rua afirmando serem artistas?

Imagine-se que a alma dentro do coelho estava apenas vestida com a sua pele de ser humano. Teria eu encontrado a sua foto logo ali, na página de entrada no Público online? Talvez não. Um coelho de peluche gigantesco a passear-se nas ruas de Nova Iorque é qualquer coisa, um homem desesperado (mesmo um artista) não é quase nada. Há demasiados homens assim e poucos coelhos daqueles.


domingo, maio 10, 2009

O exagero do gosto


Há fronteiras por todo o lado. Por exemplo, fronteiras que limitam territórios físicos e nos oferecem o desenho dos países que estão por detrás do conceito de nação. São fronteiras materiais. Ou fronteiras da nossa capacidade de compreensão dos fenómenos que nos rodeiam e nos revelam a nossa inteligência ou a falta dela. São fronteiras imateriais, mas fronteiras na mesma. Na lista destas fronteiras invisíveis encontram-se as que limitam ou caracterizam aquilo a que chamamos de "gosto". Não confundir com o resultado da acção das papilas gustativas, essas geram uma fronteira bem material que tem outro tipo de influências. A minha barriga que o diga!

A outro nível há o gosto individual, o gosto colectivo, a forma como encaramos os objectos e com eles estabelecemos uma hierarquia de valor estético. Gosta-se de uma pintura de uma forma diferente daquela que nos leva a afirmar que gostamos de macumba de gambas. Mas o valor estético não é um exclusivo dos objectos de arte, tendemos a estender o conceito a tudo o que nos rodeia, desde a esferográfica, à camisa interior ou ao automóvel do vizinho.

Gostamos de gostar de tudo o que nos rodeia. Mais, gostamos de mostrar que aquilo de que gostamos merece ser mais valorizado do que aquilo que os outros gostam, ou seja, pretendemos colocar-nos no topo da lista daqueles que podem gabar-se de ter "bom gosto", uma vez que isso nos parece um factor valorativo em termos sociais. Confuso? Não me parece. Pelo menos, depois de ler três vezes, acho que começo a perceber perfeitamente aquilo que queria dizer com a frase anterior.

Este prazer, esta pretensão, esta vaidade, pode levar-nos a cometer um pecado que, não sendo mortal, não deixa de ser um pecado responsável por muitas guias de marcha em direcção ao inferno. Trata-se do pecado do "exagero do gosto".

Por vezes o nosso gosto incha até parecer um tumor, uma excrescência purulenta, mas, se formos verdeiramente pecadores a este nível entregamos a nossa alma ao terrível e hediondo "kitsch", verdadeiro monstro dos infernos da estética merdosa.

Normalmente, quando pecamos a este nível, nem sequer nos apercebemos da dimensão do nosso pecado. Olhamo-nos ao espelho e gostamos do que vemos, pegamos na canetinha dourada com rubis e achamo-la o máximo. Mesmo que nunca escrevamos nada com ela podemos sempre exibi-la despertando no outro a inveja (esse sim, um pecado mortal).

Resumindo, caro leitor, se és uma pessoa preocupada com a salvação da tua alma e daqueles que te são próximos, examina bem as tuas opções estéticas, procura as razões profundas que estão na base do teu gosto pessoal. Não cometas o pecado do exagero do gosto. Mantém-te puro e sóbrio, vais ver que sabe bem.

Bom Domingo!

sábado, maio 09, 2009

A menina e o gato magrinho ficaram em casa a chorar?




O quadro de Picasso (1881-1973), que retrata a sua filha Maya quando tinha dois anos de idade, foi pintado a óleo sobre tela em 1938 e tem um valor que, de acordo com a página electrónica da empresa que realiza o leilão, pode variar entre os 12 e os 18 milhões de euros.
O mesmo intervalo é calculado pela Sotheby´s para a escultura em bronze "Le Chat" (O Gato), com 80 centímetros de comprimento, de Alberto Giacometti (1901-1966), criada em 1951. (texto retirado daqui)


Esperava-se que alguém oferecesse pelos objectos acima retratados aquilo que por eles pediam os leiloeiros. Tanto a menina quanto o gato foram postos a leilão com a esperança (nada secreta) de que pudessem atingir um valor entre 12 e 18 milhões de euros. Ora toma! Mas, népias. Ninguém lhes pegou. O que não quer dizer que não houvesse ninguém que não desejasse levar lá para a sala de jantar um ou outro dos objectos de arte em causa. Não, nada disso! Mas, a verdade é que, seja por causa da crise económica ou da gripe dos porcos, a Sotheby's ficou com os dois objectos nas mãos.

Um salto à página da leiloeira para deitar uma vista de olhos aos resultados do dito leilão não deixa de ser impressionante (ver aqui e aqui as listas de vendas realizadas) mas a verdade é que, nos meios de comunicação, só se fala das que não foram vendidas (curiosamente, na página da leiloeira são exactamente as peças de que não se fala). Por serem as mais caras e as mais mediáticas? Talvez. Ou porque, tal como no caso da gripe assassina ou tantos outros, estamos mais interessados naquilo que pode ser mau do naquilo que pode ser bom e é isso que vende jornais e abre espaços publicitários apetecíveis?

Corot, Signac, Derain, De Lempicka, Miró, Léger, Delaunay, Maillol, Moore, Picasso, Picabia, Giacometti, Klee, Matisse, Chagall, Caillebotte, Vuillard, Redon, Boudin, Jongkind, Gauguin, Pissarro, Gauguin, Renoir, Bonnard, ufa, já estou cansado de passar alguns dos nomes que constam da lista de artistas com obras vendidas no dito leilão. É esmagador saber que andam por aí tantas obras de arte interessantes de que nunca ouvimos falar ou porque são vendidas por preços abaixo do pornográfico, logo não são assunto de interesse, ou porque os autores, apesar de conhecidos na História da Arte, não fazem parte do arsenal de beautyfull people do costume.

Não venderam o gato esfomeado, nem a menina com o barquinho. E se ninguém tiver achado as obras interessantes? E se não tivesse sido uma questão de falta de dinheiro que as deixou na leiloeira, mas sim uma questão de exagero de gosto?

sexta-feira, maio 08, 2009

Hipnótico

Luísa Cruz como Harper Regan


Quero deixar apenas uma opinião rápida: Harper Regan de Simon Stephens, o espectáculo que estreou ontem na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, é hipnótico. Luisa Cruz é fenomenal, Dinarte Branco tem momentos extraordinários, Cristóvão Campos revela-se e António Cordeiro compõe as cenas com segurança. Os restantes também me pareceram bem mas,como não sou crítico, nem sei que mais posso dizer dos actores. A encenação de Ana Nave confirma tudo o que de bom sabemos a seu respeito. O cenário de Rui Francisco funciona discretamente e os figurinos de Rafaela Mapril dançam sobre os estrados deslizantes. Não me quero alargar muito mas não posso deixar de dizer que me comovi (quase) até às lágrimas, que me ri com uma estranha vontade de não rir e que, no fim, quase parecia estar ainda no início. Caro leitor, se tiveres oportunidade não hesites e vai assistir a este espectáculo. Para quem gosta de Teatro em grande estilo.

quarta-feira, maio 06, 2009

O Senhor dos Desenhos


Desde anteontem que tenho pensado muito em Vasco Granja. É das tais coisas; já me esquecera há que tempos da existência deste homem e, agora que morreu, regressou em força à minha memória. Há situações em que a morte acaba por ser mais justa do que a vida, pois estou convencido que milhares de pessoas estarão na mesma situação que eu.

Todos os que gostam de cinema de animação e de Banda Desenhada e andam na casa dos 40-50 anos se recordam dos programas televisivos em que Granja mostrava com igual paixão os filmes da Checoslováquia e do National Film Board, do Canadá. Foi Vasco Granja quem me apresentou Droopy, um dos heróis mais queridos da minha infância.

Leitor compulsivo de revistas de Banda Desenhada, habituei-me a ler os textos de Granja no Tintin e a comprar as mais variadas edições por ele promovidas. Enfim, Vasco Granja foi uma personagem importantíssima na divulgação das narrativas desenhadas em Portugal. Para mim foi super-importantíssimo pois foi através dessas narrativas que descobri e desenvolvi o meu gosto pelo desenho e, mais tarde, pelas artes plásticas, de um modo geral.

Granja estava meio desaparecido (aqui uma entrevista de 2003). A Banda Desenhada caíu em desuso e um velhote meio maníaco pela idade de ouro das revistas de histórias em quadrinhos não é a personagem mais mediática. E foi esquecido. Até anteontem, data da sua morte. Durante uns dias regressa em força o velho Vasco Granja com a sua voz característica e as palavras meio enroladas umas nas outras. Uma personagem agradável de quem era fácil gostar e que foi responsável por um sem número de coisas maravilhosas que aconteceram a milhares de portuguesinhos de gema.

Enfim, fica bem, Vasco, que nós também.

segunda-feira, maio 04, 2009

A Gripe de Cervantes

Dom Quixote derrubado por um gigante, perdão, por um moinho de vento. Gravura do incomparável Gustavo Doré.


A gripe A, por ter sido mexicana e parente da espanhola, ambas suínas, podia chamar-se, sem grande esforço, Gripe de Cervantes, com muitos e enormes benefícios para todos os interessados. Seria mais elegante para vender produtos farmacêuticos e com probabilidades de fazer manchetes muito mais coloridas nas primeiras páginas por esse mundo fora, potenciando um aumento da venda de jornais.

Toda a gente sabe que, depois da Bíblia, o maior best-seller do planeta e traduzido em mais e saborosas línguas, é o eterno Dom Quixote. Já estás a imaginar, caro leitor, as metáforas e hipérboles geniais que se poderiam engendrar para ilustração da luta entre o Ser Humano e o seu mais recente e temível inimigo, o vírus H1N1.

As últimas notícias revelam que o surto gripal que deixou o planeta à beira de um ataque de nervos estará a entrar em fase de esvaziamento. Olhando os números, 985 casos confirmados com 26 mortes, não sou capaz de evitar uma certa sensação de desconforto. Parece ter havido um alarme desajustado da gravidade da situação. Fica a impressão de que alguém se terá aproveitado da nossa credulidade global para, por exemplo, vender reservas de Tamiflu ou outra patranha do género.

A célebre cena do Cavaleiro da Triste Figura carregando sobre moinhos de vento em louca cavalgada não seria de desprezar, como ilustração do nosso destrambelhamento colectivo. 26 mortes, não diminuindo a dor dos que perderam entes queridos neste ataque do H1N1, parece-me coisa pouca. Ainda por cima não se revelam grandes dados específicos sobre as vítimas mortais. Fala-se apenas de um bébé de 26 meses, única vítima, até à presente data, em solo norte-americano. E os outros 25? Jovens robustos e na flor da idade? Velhos fragilizados? Pessoas com problemas no sistema imunitário? Não sabemos. E a campanha "militar" sob a alçada do general Tamiflu? Devemos agradecer à Roche ter disponibilizado prontamente as suas reservas de Tamiflu, ou deve a Roche agradecer ao H1N1 a sua espectacular entrada em cena que tantos proveitos económicos lhe está a proporcionar num tempo de crise económica global?

Enfim, tal como Dom Quixote, também nós vivemos iludidos por leituras que nos excitam a imaginação até à demência e nos liquefazem a frágil mioleira. Será? Ou não? Sinto-me zonzo com esta suspeita...

sexta-feira, maio 01, 2009

Suspeitemos


Estamos todos a tentar ver a mesma coisa mas parece que somos cegos. Olhamos para o que nos mostram e o que vemos? Aquilo que nos dizem que estamos a ver. Mesmo que o nosso olhar sugira algo diferente. Quanto mais olhamos mais nos deixamos invadir pela estranha sensação de que o que vemos não corresponde exactamente àquilo que sabemos. De tanto focarmos o olhar ali, naquele ponto exacto, estamos a perder a noção do resto, do que está em volta. A realidade serve de camuflagem a si própria. Mistura-se tudo. A forma mistura-se no fundo, o contorno dilui-se na mensagem. Vamos ter de fazer um esforço para olhar em sentido contrário. Mas teremos de nos capacitar que "ver" não é o mesmo que "saber". Quando muito "ver" poderá ajudar-nos a suspeitar. As nossas convicções constroem-se de suspeitas. Suspeitemos.