quarta-feira, maio 20, 2009

Mudam-se os tempos, mantêm-se as perspectivas


Recebi por e-mail a mensagem que a seguir transcrevo:

Falando sobre conflitos de gerações, o médico inglês Ronald Gibson começou (imagino que recentemente) uma conferência citando quatro frases:

1. "A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais e são simplesmente maus."
2. "Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque esta juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível."
3. "O nosso mundo atingiu o seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe."
4. "Esta juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de antigamente... A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura."

Após ter lido as quatro citações, ficou muito satisfeito com a aprovação que os espectadores davam às frases.

Então, revelou a origem delas:
- a primeira é de Sócrates (470-399 a.C.)
- a segunda é de Hesíodo (720 a.C.)
- a terceira é de um sacerdote do ano 2000 a.C.
- a quarta estava escrita em um vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilónia e tem mais de 4000 anos de existência.

O que poderá isto significar? Que a velhice é coisa que não muda nunca, tal como a juventude será sempre uma coisa velha? Que, com computador e i-pod ou com pergaminho, charrua de madeira e ausência de sistema de esgotos, há algo de tão profundamente essencial nos nossos comportamentos que nos limitamos a repetir as observações que fazemos ao longo dos séculos? Uma e outra vez, numa infindável cadeia de lugares comuns? Mesmo quando imaginamos estar a produzir uma observação reveladora e a formulamos, expondo-a ao próximo, estamos apenas a repetir uma banalidade confrangedora já observada, dissecada e formulada há milhares de anos atrás?

Dizem que não há nada de novo debaixo do Sol. Se calhar esta estupidez até faz algum sentido. As coisas são todas tão velhas que nos esquecemos delas e, quando as redescobrimos, imaginamos estar a inventar algo de novo! Na verdade estamos apenas a reciclar e aquilo a que chamamos Ciência ou Conhecimento não passa de repescagem no imenso lago do esquecimento. Vivemos em constante estado de amnésia. Tentamos curar-nos mas, como já esquecemos tudo, nunca encontramos o remédio adequado. Enquanto a eternidade durar.

12 comentários:

peri s.c. disse...

Brilhante seu texto.
" Vamos promover mudanças para ficar exatamente tudo como está."
( quem foi mesmo que escreveu isso, ou algo parecido ? )

Silvares disse...

Peri, grato pelo elogio :-)
Essa frase e a ideia que vem colada a ela já é "nossa", pertence ao povo: o que é necessário mudar para que fique tudo na mesma?. A reposta parece simples; muda-se tudo e fica tudo igual!
:-D

Selena Sartorelo disse...

Bom dia Silvares,

Enquanto lia seu texto constatava em meus pensamentos, que sinto-os como únicos. E, com as lembranças das histórias que minha mãe contava de sua juventude e hoje lembrando também da minha percebo ao observar meus filhos e, em meus sentimentos, claramente o que quer dizer.
Claro que você foi bem mais distante que isso. Mas talvez seja isso que precisemos mudar.
Confirmar um pensamento como absoluto, e por esse ter se repetido por tanto tempo nos faz acreditar em sua veracidade, não refiro-me exatamente ao fato que ilustrou (Esse no caso, é certo, porém nossa prentensão em mudá-lo faça também parte da mesma repescagem) Basta pensar que isso pode não ter ocorrido a todos e nem sempre, mas sim a uma maioria independente de razões externas. O teu último parágrafo é o princípio de tudo e prova que observar um pensamento repetido não é o mesmo que recriar a mesma idéia...Creio que é sempre uma transformação se inferimos sobre, penso por conta e risco que faz muito pouco tempo que apredemos a pensar (ato, não necessariamente com saber) com identidade própria e esse exercício ainda é muito novo em pratica, por isso quando ouvimos um semelhante adotamos o seu pensamento como uma descoberta pessoal, mesmo quando á esse é dado o crédito do pensado.
Algo cíclico talvez. E a evolução consiste em vários estágios com ritimos diferentes em épocas diferentes.Intensidade do sentimento e da razão (lembrei-me sem compreensão de um livro que há muito tempo leio e a cada palavra percebo o quanto ele é atual Verdade e Conhecimento)
Não estou dizendo que sei alguma coisa. A única afirmação e certeza que tenho é sobre o que eu sinto quando percebo olhares repetidos com tanta qualidade...Gostaria muito de ler e aprender sobre esse assunto...se puder me indicar algum livro ou escrever escrever mais sobre isso eu adoraria ler.
"Os pensamentos não mudam eles apenas abrigam-se em casas que os acolhem, mudando-se apenas com a chegada de um outro que chegou pelo mesmo motivo."
Insisto adoraria aprender mais sobre esse assunto e perdoe-me pelo extenso e inconclusivo comentário, mas perdi-me por alguns instantes nesse exercício.

Beijos e bom dia.

roserouge disse...

Houve alguém que disse: "Nothing is permanent but change itself". Se não foi isto, foi parecido. E dito em inglês tem muito mais estaleca.

Anónimo disse...

Ai que bom! Então, ainda teremos futuro!!!!

Tiago Alves disse...

a juventude estará sempre cá para achar que nunca há-de ser velha, aqueles que são velhos hão-de estar cá sempre a achar que nunca foram como a juventude.

é tudo uma questão de maturidade. enquanto a terra gira a volta do sol as perspectivas e prioridades de cada indivíduo alteram-se, chegando ao ponto de não perceber as alheias apesar de, muitas vezes, serem idênticas aquelas que antes tinham.
acho que com os meus, talvez poucos, 20 anos de idade já consegui perceber esta coisinha.


a imagem que ilustra este post é uma preciosidade, bem ao estilo do stor rui. será que tanta evolução cultural, intelectual e tecnológica não se consegue sobrepor à natureza genética do homem ? serão que somos limitados e repetitivos por natureza ?

Um Abraço.

Claudio Boczon disse...

é assim que a banda toca, desde os tempos da primeira lira.

selaví!

Jorge Pinheiro disse...

Eu acho que o problema está nas frases feitas, nos chavões literários ou para consumo de salões. E o problema também está, às vezes, em quem as faz, chame-se Sócrates ou Platão.

Ví Leardi disse...

...mais um de seus "brilhantes textos" como diz o Peri...Fiquei sem saber...será?

Silvares disse...

Selena, os comentários têm a extensaõ exacta que precisam de ter. Nem mais nem menos.
Eu também sei pouco e pouco leio sobre este assunto. Limito-me a reflectir uns momentos e a deixar os dedos correr um pouco sobre o teclado. O instinto tem, aqui, um papel determinante.

Rose, como diz a canção dos Clã, a língua inglesa fica sempre bem. Por vezes, o que tem de melhor é não se compreender absolutely :-)
Mudar-se a si próprio é um desafio. Assim como assim volto a um tema musical para ilustrar o que me vai na cabeça "If you can't change the world, change yourself", Matt Johnson, The The.

Eduardo, recorrendo a mais uma frase feita, "o futuro a Deus pertence" mas, estou em crer, que teremos sempre direito a um bocadinho para nós próprios.

Tiago, 20 anos são uma coisa do caraças! Sabes, é estranho mas, na verdade, um adulto tem sempre 20 anos... pronto, 22, para não exagerar. Dentro de nós as coisas não parecem mudar. A mudança é mais ao nível da superfície do espelho. Esta é uma sensação difícil de explicar e que merece um pouco mais de reflexão. Lembro-me de ter 20 anos e pensar "sou mais velho que o meu pai". (lembro-me disto porque o escrevi e tenho o texto algures no meio dos meus papéis).

Claudio, dizes bem, Selavi, como se mascarou o velho (novo!?) Marcelo Docampo ao autodenominar-se Rose... e vê bem como criou uma teoria artística fora do tempo, sempre velha e cada vez mais jovem!
:-D

Jorge, tens alguma razão. As frases feitas vão-se acumulando e parecem resumir o mundo quando são recuperadas noutra época e em contexto diferente. Mas, apesar de tudo, as frases feitas têm um poder curioso por nos fornecerem munições com que podemos disparar em todas as direcções sem ferir ninguém.

Ví, lá no fundo penso que nada é igual ao que foi anteriormente e esse é o fascínio da existência humana, ser sempre igual na procura da diferença. Haja fé!

Alice Salles disse...

Rimbaud não quis mais escrever porque percebeu que TUDO já havia sido dito. E ele estava certo.

Silvares disse...

Alice, há, no entanto, uma diferença substancial entre ler e escrever. E há também uma certa beleza qem descobrir que o nosso pensamento extraordinário já tinha, afinal, sido pensado. É bonito.