segunda-feira, maio 04, 2009

A Gripe de Cervantes

Dom Quixote derrubado por um gigante, perdão, por um moinho de vento. Gravura do incomparável Gustavo Doré.


A gripe A, por ter sido mexicana e parente da espanhola, ambas suínas, podia chamar-se, sem grande esforço, Gripe de Cervantes, com muitos e enormes benefícios para todos os interessados. Seria mais elegante para vender produtos farmacêuticos e com probabilidades de fazer manchetes muito mais coloridas nas primeiras páginas por esse mundo fora, potenciando um aumento da venda de jornais.

Toda a gente sabe que, depois da Bíblia, o maior best-seller do planeta e traduzido em mais e saborosas línguas, é o eterno Dom Quixote. Já estás a imaginar, caro leitor, as metáforas e hipérboles geniais que se poderiam engendrar para ilustração da luta entre o Ser Humano e o seu mais recente e temível inimigo, o vírus H1N1.

As últimas notícias revelam que o surto gripal que deixou o planeta à beira de um ataque de nervos estará a entrar em fase de esvaziamento. Olhando os números, 985 casos confirmados com 26 mortes, não sou capaz de evitar uma certa sensação de desconforto. Parece ter havido um alarme desajustado da gravidade da situação. Fica a impressão de que alguém se terá aproveitado da nossa credulidade global para, por exemplo, vender reservas de Tamiflu ou outra patranha do género.

A célebre cena do Cavaleiro da Triste Figura carregando sobre moinhos de vento em louca cavalgada não seria de desprezar, como ilustração do nosso destrambelhamento colectivo. 26 mortes, não diminuindo a dor dos que perderam entes queridos neste ataque do H1N1, parece-me coisa pouca. Ainda por cima não se revelam grandes dados específicos sobre as vítimas mortais. Fala-se apenas de um bébé de 26 meses, única vítima, até à presente data, em solo norte-americano. E os outros 25? Jovens robustos e na flor da idade? Velhos fragilizados? Pessoas com problemas no sistema imunitário? Não sabemos. E a campanha "militar" sob a alçada do general Tamiflu? Devemos agradecer à Roche ter disponibilizado prontamente as suas reservas de Tamiflu, ou deve a Roche agradecer ao H1N1 a sua espectacular entrada em cena que tantos proveitos económicos lhe está a proporcionar num tempo de crise económica global?

Enfim, tal como Dom Quixote, também nós vivemos iludidos por leituras que nos excitam a imaginação até à demência e nos liquefazem a frágil mioleira. Será? Ou não? Sinto-me zonzo com esta suspeita...

12 comentários:

Anónimo disse...

Silvares,

melhor que tenha sido assim! Acabo de ouvir pela TV que morre a primeira vítima em Portugal. Foi agora, portanto depois desse seu texto ter sido postado. Mas não modifica o quadro. muito menos grave do que se poderia suspeitar!
Melhor assim!

Anónimo disse...

Essa sua postagem, e as minhas sobre o meu tempo de Colégio de Cataguases, me fez lembrar de um colega, o MURIAÉ, que era seu apelido, tinha quase 20 anos, e nós 14, 16, e ele ainda frequentava o ginásio.Era MUITO limitado, intelectualmente, e não acreditava que o homem tivesse ido à lua! Achava que tudo não passava de publicidade da coca-cola! desculpe as comparações! srsrs

Silvares disse...

Eduardo, não sabia da vítima em Portugal. Mas, como diz, não altera grandemente o quadro descrito no post. Quanto a acreditar ou não vem-me à memória o célebre ditado (espanhol, por sinal) "no creo en brujas pero que las hay, hay!". Peço antecipadamente desculpas pelo meu espanhol de trazer por casa caso haja algum erro.

Silvares disse...

Eduardo, continuo a encontrar, apenas, referências a um caso de Gripe de Cervantes, em Portugal. Trata-se de uma mulher que esteve internada num Hospital e até já lhe foi dada alta. Continua vivinha da costa, ao que sei.

Beto Canales disse...

excelente Silvares.

Anónimo disse...

Então a noticia deve ser essa, uma pessoa com os sintomas! Como as TVs não falam de outra coisa...podem ter exagerado!

Tiago Alves disse...

Há sempre alguém que lucra com a desgraça alheia.
Neste caso se não foi a industria farmacêutica foram os media... ou, quiçá, ambos.

E como sempre, à conta de alarmismos, o Zé Povinho faz figura de parvo com tanta preocupação sem nexo (não menosprezando a perda das tais 26 vidas). O que me preocupa, é que o síndrome "Correio da Manha/TVI/Jornal O Crime", do alarmismo extremo e incoerente, se tem vindo a espalhar a um ritmo alarmante por todos os meios de comunicação social.

Num filme, cujo nome não me recordo de momento, há alguém que diz: "Má publicidade é sempre boa publicidade"; hoje vejo que cada vez mais esta metáfora se encaixa de diferentes maneiras em várias situações da vida.

Um Abraço,
Tiago

the dear Zé disse...

E por falar em Tamiflu, parece que o sr. Donald Rumsfeld é um dos beneficiários desse negócio (ver aqui: http://umbilicum.blogspot.com/2009/05/donald-rumsfeld-o-genocida.html) o que faz com que tudo isto não cheire nada bem.
Que nome dar a uma gigantesca operação de marketing que é muito mais do que isso?!

Jorge Pinheiro disse...

É tudo alarmes e códigos, burocratas e institutos. Quando vier uma a sério, não regulação que valha! Esta foi só para encher telejornais.

Alice Salles disse...

É isso mesmo!!!! É isso que tenho tentado mostrar... Ninguém fala quem foi a vítima dessa gripe aviária, só querem vender vacina! Até porque UMA vacina aqui nos EUA pode facilemnte chegar ao custo assim, leve de US$150!!!!!! É ISSO AÍ! Você disse tudo que precisava ser dito...

Ví Leardi disse...

...Silvares... genial comparação!!

"O Jardineiro Fiel"...já disse tudo...é sempre a mesma coisa!

Silvares disse...

Tiago, ainda haverá muito para explicar sobre esta história. À primeira vista parece que há aqui um bocado de exagero, mas... o melhor é não confiar em demasia.

Caçador, esse Rumsfeld é um autêntico chacal. Custa a acreditar que tudo isto seja publicidade barata mas lá que parece, parece!

Jorge, só espero que isto seja o mais sério que possa sair-nos na rifa.

Alice, é triste mas tudo é negócio. Saúde, educação, mesmo a paz é coisa que se compra e vende.

Ví, nesse filme as coisas ganham alguma nitidez. E são feias de se ver!