Easter Bunny meets The King
Tive problemas com o acesso à NET e vi-me uns dias sem poder por aqui andar. Ao princípio foi complicado, há hábitos difíceis de ultrapassar. Entretanto fiz a peregrinação anual por esta data festiva até à minha santa terrinha. Fui ver pessoas, lugares e respirar o ar gélido soprado das serras. Senti-me limpo e, uma vez mais, foi tempo de fazer as pazes com esta merda toda. A Páscoa é assim mesmo. Dou uma beijoca num crucifixo metálico (trazido este ano pelo meu velho amigo Amílcar, fazia muito tempo que o não via tão feliz), num Cristo com os pés mais frios que um focinho de cão, como tem de ser.
Vem o padre benzer a casa, espirrando água-benta e umas falas meio engonhadas que não se percebem nem me parece que sejam para ser percebidas. Come-se uma porcariazeca qualquer (ninguém tem apetite nenhum porque toda a gente acabou de morfar um almoço dos antigos e, ainda a digestão vai no adro, já se está a emborcar outra vez um bolinho ou uma amêndoa...), bebe-se mais um copo de qualquer coisa, o que calhar está bem, e o padre bem se tenta escapar ao copito mas nem sempre tem sorte. Lá mais para o fim da tarde já há-de andar com uma perna a lamber a outra que isto de representar Deus no dia em que se festeja a morte e ressureição do Filho não é para todos e, mesmo para os que é, é barra pesada.
Enfim, Domingo de Páscoa é dia de andar com o coração nas mãos. Rever amigos, memórias e fantasmas, fazer de contas que um Cristo de lata tem alguma magia e perceber como o amor ao próximo é a coisa mais suave que a existência tem para nos deixar aproveitar enquanto é tempo. O resto... o resto que se lixe, perante tal suavidade e transparência não vale a pena estar a perder tempo com coisas porventura mais importantes mas, sem dúvida, muito menos belas.
Boa Páscoa (que já lá vai).
8 comentários:
Silvares!
Sua forma clara de dizer as coisas do cotidiano é arrasadora!
Que estupendo escritor!
Talvs nem saiba de seus livros, souj meio desligado, talvez até Nobel já sejas e estou a te elogiar!!
Não me lembro de ter lido coisas tão verdadeiras, ultimamente!
Você me lembra um nosso escritor e dramaturgo famoso Nelson Rodrigues!
Mas a vida continua e se puder veja mais essa tragédia de meu país:
TRÂNSITO CAÓTICO!
Luiz
Silvares,
como tenho o que aprender! Nas minhas ( constantes) panes da internet, não as aproveito tão bem!
Parabéns, mais uma vez pelo texto!
Forte abraço
Luiz, obrigado pelas suas palavras, sinto-me lisongeado. A escrita é um prazer. Apenas isso.
Eduardo, todos os anos regresso à casa onde nasci e cresci, no interior de Portugal, lá entre serras onde as coisas são mais reais que na cidade onde vivo. Sempre que lá vou sinto dentro de mim uma voz que acorda naquele local. É essa voz a falar, não sou bem eu.
:-)
:-) +++ah,ah, regresso às origens. Foste à tua cidade de origem...e já voltaste, tiveste de ir comer o borrego com a família. Obrigações(boas) da vida.
E os folares e o coelhinho da Páscoa misturados com toda essa iconografia tâo "animadora" das ALMAS.
Visito regularmente este seu sítio, que me foi recomendado por mão amiga.
É sempre com gosto que leio os seus artigos tão poeticamente escritos,criativos,verdadeiros,com dúvidas demonstradas sem falso pudor e com esse ar de humildade de quem parece não reconhecer o seu talento.
Esta descrição da Visita Pascal é particularmente feliz.
Obrigado pelas imagens, que me trouxe á memória...
... O chegar da Cruz vinda do fim da rua, ladeada pelo rapaz do incenso e da água benta,vestidos com capas vermelhas(as opas), com o amarelo das mimosas em flôr na quinta da Capela, com aquela sensação de Paz e a certeza inabalável de que estava do lado certo da vida.
..O cheiro doce no ar límpido, o sol radioso de uma Primavera cheia de promessas, o ar sereno da minha avó no seu negro digno de viúva comformada.
..o beijar da cruz enquanto o Tonho(meu companheiro de caça aos ninhos e da descoberta de tesouros meus e da vida)me piscava o olho cúmplice, emquanto o padre dizia o "Dominos Vóbisco" com mais fervor depois dos copos de vinho do Porto que "obrigatóriamente" bebia em todas as casas(e a da minha avó era a última da aldeia).
..Do tempo em que eu com o meu vestido novo da Páscoa, fingidamente descaído nos ombros, sorria feliz, de uma felicidade serena, despreocupada acreditando piamente que aquela água benta,que vinha do jordão,era especial para mim.
Agora já não há visita Pascal,( não há Padre,e há outras OPAS) nem eu acredito piamente na magia da água benta.
Obrigado pela partilha da sua Páscoa, e quando escrever um romançe(se é que não escreveu já um) dê voz a "essa voz" que sente em quando vê as Pàscoas desta vida.
Obrigado .
Obrigada, Rui, por me recordares a Páscoa da aldeia dos meus avós e da minha infância e adolescência. Assim, tal e qual, com o padre visitando a casa dos meus avós, a reza, a mesa posta...
Para mim, continua a ser o ressurgir da vida, a primavera que volta, a luz depois do inverno, a vitória sobre a morte, a esperança que renasce. Gosto. No interior da Beira, mais verdadeira, com certeza. Eu gosto de me recolher, nem que seja um bocadinho, e agradecer por mais esta renovação de esperança e de vida.
Adorei o texto, Rui.
Obrigada.
Um abraço.
Cristina Loureiro dos Santos
Foi, fui comer (entre outras coisas) um borreguito. Ando a ficar com uma bela de uma pançola!
Folar, por acaso, não comi. Nem ALMAS. :-)
Imelda, a Páscoa é um tempo estranho (como o Natal) em que a memória parece ganhar uma limpidez que a banalidade do quotidiano não nos permite vislumbrar.
Cristina, penso que a Páscoa seja isso mesmo. A vida (Primavera) triunfa todos os anos sobre a morte (do Inverno). É como a Branca de Neve a ser beijada pelo príncipe. O calor daquela beijoca derrete o gelo da morte e restitui a beleza juvenil da princesinha à vida... é bito!
:-)
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