quarta-feira, fevereiro 09, 2022

Manhã ensolarada

     Esta manhã vi tantas pessoas abatidas que as ruas da Cova da Piedade mais pareciam um campo de batalha. Nem o sol era capaz de disfarçar a angustiante tristeza dos transeuntes. Um deles, encostado a uma parede suja, olhava o prédio em frente como se observasse o resultado de um bombardeamento acabado de acontecer. Um outro, máscara cirúrgica sob o queixo por barbear, arrastava-se com os dedos fincados numas canadianas. Parou por momentos, parecendo hesitar se haveria de dobrar a esquina.

    Até os cães tinham um aspecto miserável. Pareciam tão velhos como tudo o resto: as pessoas, os automóveis, os edifícios, tudo estava gasto e coberto por uma estranha patine, como se a cada minuto correspondesse muito mais tempo. Senti o meu corpo mais pesado, arrastei os pés e fechei os olhos. Por momentos receei abri-los. Acabei por retomar o meu caminho em direcção à papelaria onde contava comprar o jornal.

    Mais tarde, sentado na esplanada repleta de pessoas barulhentas, apesar de estar ainda na Cova da Piedade, toda aquela tristeza me pareceu demasiado longe de ter acontecido. Agora, o brilho do sol sobre os objectos conferia-lhes contornos precisos, revelava um mundo perfeitamente desenhado;  tudo estava no seu devido lugar, tudo arrumado com uma aparente indiferença rigorosa. Este lugar não é bonito mas é um lugar verdadeiro.

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