quinta-feira, novembro 07, 2019

Um búzio

Os dedos dos pés na areia húmida traziam-lhe recordações de infância a cada passo que dava. Um búzio de dimensão generosa parecia aguardá-lo mais adiante; estático, como se se banhasse, ora visível ora escondido na espuma que o mar ia babando sobre a praia. O búzio parecia chamá-lo.

Respondendo ao apelo avançou, baixou-se, a perna esquerda esticada, em equilíbrio sobre a flexão da perna direita, apanhou o búzio. Tomou-lhe o peso, sentiu-lhe a textura e encostou-o ao ouvido para ouvir a voz do mar (coisa estúpida de se fazer ali, com os pés dentro de água e o mar todo a falar-lhe tão perto).

Mas o que ouviu foi estranho, foi como um grito, não foi aquele murmúrio surdo que esperava, a voz habitual dos búzios, nada disso, foi uma coisa aguda, um som que lhe alfinetou a alma, que o inquietou, que lhe causou um arrepio tremendo. Olhou espantado a abertura do búzio que lhe havia largado dentro do ouvido aquele som horripilante.

Atirou o búzio para longe, restituindo ao mar aquele segredo estridente. Ele que ficasse com aquilo, que raio! Voltando as costas às ondas continuou a caminhar. Os dedos dos pés na areia húmida traziam-lhe recordações de infância a cada passo que dava.

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