quinta-feira, janeiro 18, 2018

Invasão

Ainda Janeiro vai fazendo o seu pedregoso caminho, a chuva não caiu como esperado, mais pessoas morreram queimadas em terríveis incêndios, metáforas tenebrosas do Inferno na Terra. Minuto aqui, minuto ali, seguimos na barrigota de Janeiro como soldados gregos no cavalo de Tróia: preparamos em segredo a invasão do futuro.

Imagino o que sentiria o soldado, anónimo e barbudo, dedos cravados no punho da espada, agachado na escuridão interior da falsa cavalgadura, como se fosse merda a vascolejar-lhe na tripa. Quanta ansiedade, quanta vontade de receber na fronte a luz do Sol, de saltar no vazio, arma em riste, golpeando inimigos com profunda raiva e surpresa sufocante. Ah, imagino que... não imagino nada. Posso lá imaginar-me um soldado grego enfiado no cu de um monstruoso cavalo de madeira!

Do mesmo modo sinto a insegurança do homem que vive cada dia como se não houvesse depois de amanhã (até ao dia de amanhã ainda sou capaz de me projectar um pouco mais ou menos), o homem que invade o futuro a cada passo, como se o futuro não lhe pertencesse até ao momento em que se encontram: homem e momento; vida e destino.

Não consigo largar esta sensação de que vivemos sempre o primeiro e o último instante em simultâneo. Que vamos assim desde o momento em que nascemos até ao da despedida derradeira. "O fio da navalha" não serve para ilustrar esta sensação, terá de ser outra expressão. Alguém que a invente.   

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