sexta-feira, setembro 24, 2010

Imaginar


Zeuxis é considerado um dos maiores pintores de todos os tempos mas essa fama é baseada na leitura de textos escritos por quem teve oportunidade de ver trabalhos seus já que, desde há séculos e séculos, não existem obras deste artista grego que possam ser admiradas.

Relatos antigos garantem que Zeuxis enganou um casal de passarinhos com a sua pintura de um cacho de uvas mas terá sido ludibriado por um outro extraordinário pintor, Parraso de seu nome, tão invisível aos olhos da eternidade quanto ele. (ver aqui a narração da anedota de Zeuxis e Parraso).

É notável que a palavra escrita tenha conseguido imortalizar as qualidades de um artista plástico, contradizendo o ditado que nos garante que "uma imagem vale mais que mil palavras". Se tivermos em linha de conta que este ditado é oriental (penso que de origem chinesa) encontramos aqui uma distância considerável entre o pensamento asiático e o europeu.

Isto vem a propósito da constatação de um facto: quanto mais abstracta é uma obra de arte, mais profíquo é o discurso gerado para a descrever e classificar. Perante a estranheza de uma pintura como "quadrado preto sobre fundo branco" do suprematista russo Malevitch, até os leigos têm um monte de palavras a dizer e são capazes de arquitectar discursos elaborados nos quais manifestam as suas opiniões. Os mesmíssimos leigos, perante, por exemplo, uma pintura de Van Eyck, esquivam-se a manifestar uma opinião, por mínima que seja.

Verifico este fenómeno quando dou aulas sobre pintura onde os leigos são os meus alunos. Quanto maior a ausência de narrativa na tela, maior a capacidade de gerar discurso entre a plateia. Como se a simplicidade uma imagem seja capaz de gerar palavras de uma enorme complexidade.

4 comentários:

Anónimo disse...

Interessante!

Silvares disse...

Isto põe-me a pensar...

Anónimo disse...

queria ser sua aluna! rs...
bjs
madoka

Silvares disse...

Mmmmh, dou aulas a gente com menos de 18 anos...

:-)