A manhã mal começara mas o homem sabia bem que o dia haveria de ser passado à espera que chegasse ao fim. Cada minuto, cada hora, potenciais suplícios. Calçou as botas com a ajuda de uma calçadeira, apertou o cinto num furo mais adiante, a barriga a crescer-lhe como se pudesse estar grávido, a crescer-lhe todos os dias um pouco mais, um pouco mais, haveria limite para aquilo ou acabaria por rebentar espalhando sangue e tripas à sua volta? Esta imagem fê-lo sorrir. Agradavam-lhe ideias assim, ideias extremamente estúpidas.
Saiu arrastando os pés. Dirigiu-se ao supermercado. Cruzou-se com mais pessoas que pareciam arrastar-se como ele, pessoas aparentemente desanimadas, aparentemente pouco dadas a sonhar com um futuro para lá do meio-dia. Colocou uma embalagem de cogumelos laminados no cestinho com rodas. Juntou-lhe uma garrafa de vinho tinto e duas latas de atum em promoção. Dirigiu-se à caixas automáticas e escolheu uma, ao acaso. A máquina não colaborou logo à primeira tentativa mas depois da intervenção de uma senhora credenciada pela empresa detentora do capital da loja, lá se decidiu a cumprir o seu papel nesta cadeia fastidiosa de acontecimentos banais. O homem pagou com um cartão de débito e saiu do supermercado.
Chuviscava. Atravessou a rua na passadeira. Um carro vermelho teve de parar para que ele atravessasse. Regressou a casa e sentou-se no sofá sem grande entusiasmo. Pegou no livro que deixara sobre a mesinha: "Este país não é para velhos" de Cormac McCarthy. Sorriu. Talvez devesse emigrar.
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