quinta-feira, maio 22, 2025

Artur

     A sala de espera tem um aspecto entre o austero e o histérico. Um sofá verde de napa com 4 lugares, dois maples a condizer, uma mesinha baixa com tampo de vidro onde se amontoa uma pequena pilha de revistas antigas que já ninguém lê. Algumas pequenas gravuras emolduradas tentam ornamentar as paredes sem grande sucesso: uma feira em plano americano tocando violino numa pose muitíssimo contra-reforma, com um halo e tudo, como se fosse iluminada por Deus ou por coisa que O valha; uma paisagem rural à maneira daquelas pinturas britânicas do século XVIII, com vacas; uma imitação de Vlaminck a berrar no meio de tudo aquilo, a dar o tal toque de histeria. 

    Imagino a aparência do médico; terá sido o Doutor Cabeças responsável pela decoração daquele espaço? Uma mulher despenteada e muito magra senta-se numa ponta do sofá; tem os olhos fixos num ponto indefinido situado algures entre a extremidade do seu longuíssimo nariz e a parede em frente. Um cão, aparentemente um rafeiro, descansa a seus pés com o focinho depositado na alcatifa vermelha que faz um belo contraste de complementares com o sofá e os maples. Os objectos já estão gastos, as cores um tanto esbatidas, mas têm a sua dignidade. A mulher não mexe um músculo que seja, nem sequer pestaneja.

    Sentado na alcatifa, com os dentes aferrados ao tampo da mesa, um miúdo dos seus três ou quatro anos parece hipnotizado por alguma fada invisível. Segura na mão um boneco de plástico, um pequeno monstro disforme, esquecido e sem graça. Um fio de baba escorre-lhe de um dos cantos da boca. O nariz rebrilha de ranho. Um homem entra na sala vindo de uma porta que agora se fecha e na qual eu ainda não tinha reparado. "Artur", diz ele e o cão levanta-se de um salto e o miúdo responde, absorto "sim?"

Sem comentários: