O miúdo deve ter algum problema. Não é normal, muito menos é natural, a forma com tem os dentes ferrados no tampo da mesa. Finjo não reparar e continuo fixa na parede. O Doutor Cabeças aconselha-me bem, finjo ser uma árvore. Sei que dou nas vistas. Não serei tão estranha como aquele puto (fogo, o gajo é mesmo esquisito!) mas dou muito nas vistas, assim, parada, a imaginar-me um pinheiro. Hoje sou um pinheiro.
Ontem fui outra árvore mas, como as árvores têm muito fraca memória, não consigo recordar-me que árvore fui ontem. Recordar-me de ter sido uma árvore já não é nada mau. Faço progressos e quero informar o Doutor. Estou em pulgas, impaciente como um noivo no dia do casamento. Nunca mais me chamam. Que tortura!
Aquele gajo que está ali, em pé, a olhar para tudo como se nunca tivesse visto nada na vida, a rodar o pescoço como se fosse uma galinha, aquele gajo é também uma personagem improvável. Veste-se como... não consigo situar a farpela, percebo que é uma coisa absolutamente anacrónica, já vi aquilo milhares de vezes mas não consigo lembrar-me... um poeta, um príncipe, um cavaleiro, um bandido, um assassino? Quem é que se vestia com uma gola daquelas? Caramba, tenho o nome aqui debaixo da língua mas não consigo dizê-lo. Desisto. Não consigo lembrar-me.
Vá lá, tenho de acalmar-me. O cão está tão sossegado! Gostava de ter a postura deste cão. Mas hoje sou um pinheiro e um pinheiro não se preocupa com este tipo de coisas.
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