domingo, outubro 22, 2023

Dilema

     Terminei um desenho e, como faço habitualmente, comecei a engendrar um próximo. Desta vez trago um título na cabeça, um título que me foi sugerido pela observação quotidiana da maldade e das suas milhentas formas, um título que tem a intenção de alfinetar consciências. Consciências semelhantes à minha mas também, imagino, algumas bastante diferentes.

    A frase veio-me à cabeça ao ler um artigo de jornal, penso, não tenho a certeza. Não é uma frase estável, vai mudando de cada vez que a formulo na minha mente. Já a apontei duas vezes num caderno. Verifiquei que mudou um pouco do primeiro para o segundo registo. Mas não vou buscar o caderno para escrever este post, não preciso dele.

    Não preciso de reler o que apontei porque sei o que quero dizer, sei o que significa o título; apesar das suas mutações formais a essência mantém-se (é por isso que é a essência). 

    "Mataremos o Cristo tantas vezes quantas forem necessárias", é assim que me surge agora, neste momento. Decerto já pensei no título exactamente com esta forma mais do que uma vez. "Mataremos", estou incluído no grupo dos que matam.Mais, este "mataremos" pretende incluir a espécie humana na sua totalidade, não pretende referir-se a um grupo específico. Refere-se a "todos, todos, todos".

    Ao ler, observar e pensar sobre a guerra na Palestina reparo que o meu título ganha uma dimensão inesperada, foge, escapa-me, deixo de o controlar, é como se ganhasse vida própria. Mais, tudo o que  digo ou penso sobre este conflito transforma a lógica em gelatina, as frases contorcem-se como serpentes, as imagens parecem estátuas de sal à espera de um sopro de vento.

    "Mataremos o Cristo todas as vezes que for preciso", disso não tenho dúvidas. A minha hesitação é se posso ou não devo dizê-lo.

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