Não devo nada ao mundo real mas nunca viverei tempo suficiente para saldar a minha dívida com mundos que não existem. A cada dia que passa sinto o meu corpo a pedir com maior veemência que me deixe de merdas; a pedir que me deixe ir, que desligue, que seja de sonho ou, pelo menos, que me deixe ser imaginado. A vontade de compreender o mundo a que chamamos real não encontra correspondência na minha capacidade de o fazer. Fico frustrado.
A frustração é como uma pequena pessoa impertinente, inconveniente como um canito mimado que ladra a tudo o que passa e não deixa ninguém sossegado. Preferia deixar-me andar à boleia na barca de Caronte, acompanhá-lo de um lado para o outro levando corpos, cobrando óbulos, conversando com as almas hesitantes. Mas não posso pertencer simultaneamente a dois mundos que mal se tocam. É frustrante.
Concluo que a vida me obriga a ferrar um calote valente, a não ter como pagar esta dívida difusa que apenas sei que vai crescendo. O que me vale é que o Sonho não cobra quando estou acordado e dos pesadelos resta o suor matinal: está pago? O que me vale é que o Absurdo se vai contentando com as coisas que desenho, que escrevo e com tudo aquilo que me passa pela cabeça e esqueço quase de imediato.
Na verdade (seja isso o que for), contas feitas, só posso dizer, como terá dito Picabia: não compreendes o que digo? Pois bem, eu compreendo ainda menos.
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