segunda-feira, março 20, 2023

Águas mornas

     

    A conversa não é fácil nem sequer muito clara. Discute-se uma eventual diluição da fronteira entre territórios políticos, uma terra de ninguém entre "esquerda" e "direita". Para João Miguel Tavares será uma espécie de "terra prometida" que o Deus do Bom Senso reservou aos liberais, o povo eleito. É aí que se vai construindo o discurso equilibrado merecedor de constituir o evangelho socioeconómico que nos levará à redenção enquanto projecto de sociedade. Apesar de normalmente tomar banho com água muito quente até posso concordar com parte substancial do discurso de JMT.

    O problema é quando a nossa reflexão é feita em abstracto, principalmente se formos pessoas com uma vida razoavelmente confortável que, apesar da inflacção e dos salários baixos, ainda conseguimos pagar as contas e ter dinheiro de sobra ao fim do mês para comprar um livro ou ir a uma sala de teatro. É que há uma multidão que não se pode dar a estes "luxos”. São os tais deserdados que nunca tiveram herança que não fosse fome e miséria. São os tais que, apesar de trabalharem, não conseguem ganhar dinheiro suficiente para pagar a renda de casa e poder comer decentemente uma vez por outra. E o tempo é curto.

    A morte de Rui Nabeiro veio lembrar a todos nós que a solução se encontra na redistribuição da riqueza. Não há que abominar o capitalismo. Há que abominar os abutres, as sanguessugas e os vampiros que se aproveitam da nossa incapacidade para encontrarmos o tal lugar sem fronteiras onde todos seremos (mais ou menos) felizes.

   carta enviada ao Director do jornal Público

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