É uma questão de escala. Se encostar o meu nariz ao nariz da Mona Lisa mantendo os meus olhos abertos vou deixar de lhe ver o contorno do sorriso maroto e fico com o campo de visão ocupado por manchas difusas e incoerentes. Assim acontece com a História.
Viver o tempo presente impede-nos de perceber os contornos dos acontecimentos. Precisamos de distância temporal e de alguém que reúna e interprete informação pertinente, alguém que nos prepare a papinha e no-la ofereça pronta-a-comer. Seja como for teremos sempre uma visão parcial. A realidade e a verdade são impossibilidades, não só não estão ao nosso alcance, são coisas que não existem.
Sim, eu sei que esta conclusão é frágil, que haverá um sem número de obras e pensamentos que provam como ando longe de uma ideia clara. Mas isso é a raiz do meu problema: a incapacidade de compreender e abarcar a totalidade dos dados de uma questão extremamente complexa. O meu problema é ter a sensação de que as minhas opiniões são como fumo numa garrafa de vidro e que, quando reflicto sobre elas, é como se retirasse a tampa da garrafa.
Dou dois passos atrás, afasto-me da Mona Lisa. Na imprecisão do que vejo agora encontro um sentido formal, uma expressão perceptível. O rosto, a pose, as mãos, a inconstante paisagem. Houve um momento em que terei percebido todos os pormenores, todas as linhas, todos os volumes; um momento de afastamento ideal. Mas nem me apercebi dele, tantas as solicitações simultâneas que a imagem colocou aos meus limitados sentidos.
Uma coisa é perceber o que vejo, outra coisa, muito diferente, é interpretar-lhe o sentido. Talvez seja melhor voltar a encostar os nossos narizes. A visão abstracta da realidade liberta-nos o pensamento ainda que andemos longe (muitíssimo longe) de perceber o que vemos.
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