Ontem revi La Strada, o filme de Fellini com Giulietta Masina e Anthony Quinn. Tinha dele uma muitíssimo vaga memória, resumida à imagem de Massina com cara pintada de palhaço e um chapéu preto empoleirado na cabeça.
Quando tinha visto o filme? Não consigo recordar. Decerto o vi na televisão, durante a minha infância ou na adolescência, o mais tardar, quando tudo era a preto e branco. Ontem revi-o como se fosse a primeira vez. É isto que o tempo faz às memórias, funde e confunde tudo.
Fiquei a matutar como teria interpretado aquela história triste e sórdida no meu primeiro visionamento. A pobreza de uma Itália meio destruída não me terá espantado pois o Portugal em que eu vivia não era muito diferente, talvez mais pobre ainda.
Havia saltimbancos também na minha aldeia, embora com menos glamour que Zampanó e Gelsomina. Os "meus" saltimbancos eram Estrela e Delfinzito, um casal improvável de uma mulher gorda e enorme e um homem franzino e magro mas rijo como um varapau. Tinham um filho (não me recordo do nome) que hoje terá aproximadamente a minha idade e também participava nas momices e acrobacias daquela trupe miserável.
O filme tem uma estranha sonoridade, com as vozes desajustadas dos movimentos labiais (Quinn falava italiano?), característica das "italianadas" que tantas tardes e noites preencheram no meu passado. Assim funcionam as memórias, com os acontecimentos correndo desajustados da realidade.
Ontem revisitei esse passado para verificar que está definitivamente esquecido mas não completamente perdido.
Sem comentários:
Enviar um comentário