O espelho insistia em manter-se discreto; não reflectia, não especulava. Olhava-o com disfarçada insistência, de soslaio, tentando passar despercebido mas ele, o espelho, não reflectia. Nem especulava. Era como se eu não existisse apesar da consciência que me habitava (e ainda habita) e me fazia acreditar estar aqui.
O problema prendia-se, exactamente, com esse tal "aqui". Aqui no mundo físico? Aqui, no mundo virtual? Ou aqui, reflectido no espelho?
Uma vez que o espelho se recusava a devolver-me o olhar que lhe oferecia duvidei do meu ser. Imaginei-me vampiro, fantasma, imaginei ter passado para um qualquer estado de existência desconhecido e sem expressão física. Senti já ali não estar.
Foi então que decidi avançar na direcção do espelho, interpelá-lo frontalmente, oferecer-me sem receio à prospecção que ele faria do meu rosto, do meu corpo, do meu ser. Desse por onde desse, fossem quais fossem as consequências, enfrentei-o.
Ali estava o meu eu reflectido. Afinal não era um fantasma, nem nada daquelas coisas mirabolantes que imaginei; era eu mesmo, o ser habitual e imperfeito, o bicho, o homem, as mesmas dúvidas, as mesmas rugas, os olhos no lugar devido. O espelho não me reflectira por mera questão de perspectiva.
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