quarta-feira, agosto 05, 2020

Antimania

Falar sem parar deixa marcas. No que fala, em quem ouve: zumba, zumba, zumba, blá, blá, blá, golpe sobre golpe, conversa ininterrupta, toma lá, dá cá, palavras, palavras, ficam marcas, com o tempo serão cicatrizes. Falar sem parar exige quem ouça o tempo todo?

E que dizer quando se dispõe do tempo todo para falar? Como ter assunto, zumba, zumba, zumba, sempre assunto de conversa, conversa inesgotável, blá, blá, blá, os ouvidos sangram de tristeza, os olhos desorbitam no espanto. A boca torce-se, contorce-se, como um verme guloso sobre a podridão de um cadáver, zumba, zumba, zumba, a conversa não pára, é como um rio, um ruído, um zumbido, um vento perdido que nunca encontra o fim do seu caminho e sopra, sopra, sopra.

Falar sem parar tem de deixar marcas, marcas no que fala, marcas em quem ouve. A mensagem é repetitiva e repetida até à exaustão, todo o dia, o mesmo tema, uma vez, outra vez, vai mais uma, sobra tempo que é preciso tapar. Tapar o tempo com palavras, blá, blá, blá, palavras como argamassa na betoneira, palavras como lama na torrente, como caranguejos no tsunami, vrrrrrrruuuummmm! Palavras que te invadem e violam, palavras que te ferem mas não matam, assim é.

De tanto ouvires a mesma merda acabas por acreditar na merda que te dizem todo o dia, zumba, zumba, zumba, ficas tonto, ficas sem saber se já acreditavas naquilo ou se te enfiaram aquilo pela cabeça dentro, pela alma abaixo, blá, blá, blá, por favor não deixes que te matem a razão, não emprenhes pelos ouvidos, não deixes crescer dentro de ti esse monstro da estupidez. Desliga: zumba, zumba, zum! Volta as costas, vai-te embora: blá, blá, blá... bl... á... á... á... não aceites esses golpes, não queiras essas cicatrizes.

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