Longos diálogos, ideias curtas e um sol abrasador a bater-lhe na testa faziam com que a situação fosse mais penosa do que estranha. Não havia trânsito a atrapalhar, nem havia cães vadios, nem vizinhos à janela, não havia quase nada a não ser aqueles dois vultos inconstantes que não paravam de dialogar. Mantinham uma conversa capaz de fazer adormecer um muro de granito.
Pousou a mão pelo bolso traseiro das calças. O livrinho continuava lá, aconchegado, provocando um calor do caraças, à espera de ser lido. Mas, por educação, seria necessário aguardar uma pausa na conversa dos fantasmas antes que pudesse ler as últimas páginas que haviam de revelar o desfecho do romance. O sol, a conversa, a curiosidade, tudo concorria num ponto único dentro da cabeça dele, como setas voando em direcção ao alvo.
O espectro da esquerda pareceu tremelicar e o da direita perdeu definição, começando a assemelhar-se a uma nuvem de fumo de cigarro muito espessa. Ainda assim continuavam, incansáveis, dissertando sobre um mundo que ele desconhecia em absoluto. Impossível reconhecer o que quer que fosse daquela conversação. Paisagens inimagináveis, situações abstrusas, coisas do Além.
Foi então que se lembrou de soprar.
E fez como o Lobo Mau; encheu o peito de ar até ficar com os ouvidos a zumbir e soprou, soprou, soprou, sentindo as têmporas a latejar, o peito a esvaziar-se de forma violenta. De imediato os fantasmas se enrolaram um no outro e se dissolveram na atmosfera brilhante e dura daquela tarde de Verão. Aquilo foi pior que má educação mas a leitura vale tudo!
Pegou no livro, leu as últimas páginas e ficou desiludido com o que aconteceu ao protagonista da história. Já não havia nada que pudesse fazer para trazer os fantasmas de volta. Resignado, dirigiu-se ao quiosque para comprar outro livrinho. Talvez com este tivesse mais sorte.
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