terça-feira, dezembro 31, 2024

2024 ao fundo

     O pior cego é o que não quer ver, o mais ignorante o que não quer aprender. É a pescadinha com o rabo na boca, o cão que persegue a cauda a mordiscar na atmosfera, o imbecil que continua a julgar-se um grande cromo. Somos nós.

    Tentamos novas soluções apoiados em velhas ideias, repetimos os erros convictamente, seremos assim até à dissolução do ser, pouco mais poderemos projectar que não esbarre na parede inevitável. Mas, no entanto, poderia não ser exactamente assim. Poderíamos errar com panache, poderíamos ter orgulho por, pelo menos, tentarmos ser criativos. Mas não. Somos tugas, erramos como sempre e temos ódio a quem nos aponte uma possibilidade diferente para o exercício da nossa atávica estupidez.

    O ano acaba hoje. Amanhã seremos os mesmos de sempre. Tudo bem, cá andaremos com a cabeça entre as orelhas.

domingo, dezembro 29, 2024

O que Deus quiser

     Não sei se acontece contigo, estimado leitor, mas há dias em que me sinto um pouco cansado, um tanto murcho, como planta a quem a água seja desviada da raiz. Não percebo porquê, de onde vem esta canseira, mas também não procuro compreender. Deixo andar, a coisa que se arraste.

    E vem o dia seguinte e vem o dia de amanhã e... nada. Sempre esta secura, esta falta de vontade que me impede de erguer o olhar, os olhos sempre a fitar o muro, muro cinzento e sem graça. Não sei se te acontece também a ti, não acontecendo é mais complicado explicar.

    A verdade é que também não me apetece ir mais além do que já fui, este lugar serve muito bem para te dizer adeus. Faço o esforço de erguer o braço, dedos esticados, aceno. Adeus ou até à vista; seja o que Deus quiser.

domingo, dezembro 22, 2024

Até aqui tudo bem

     O mundo nunca foi um lugar seguro. Nem para os seres humanos nem para a restante bicharada. O facto de nascermos defeituosos e condenados a uma morte certa terá muito a ver com essa sensação de insegurança permanente que nos torna desconfiados e nos leva a cometer frequentes actos um pouco desesperados.

    A crueldade espreita a cada curva dos nossos cérebros. Inventamos torturas variadas. Há-as físicas ou psicológicas, desenvolvemos com volúpia narrativas aterrorizadoras para nos distraírem da monotonia que eventualmente nos venha amodorrar a existência. Nada nos satisfaz, forçamos constantemente os limites da imaginação. 

    Nos decénios mais recentes desenvolvemos dispositivos capazes de acabar com tudo o que nos rodeia de forma avassaladora e quase imediata. Trouxemos o armagedão das narrativas bíblicas para este nosso quotidiano delirante. Até ao momento em que escrevo estas linhas estamos a dar-nos mais ou menos bem com isso.

segunda-feira, dezembro 16, 2024

Beber ou não beber (uma bujeca) eis uma questão

     Decerto te terá também acontecido: tiveste uma ideia luminosa, uma revelação fulgurante, o mundo ganhou um contorno mais nítido, viveste um momento de fugacíssima felicidade. Tens a sensação de teres encontrado um pequeno tesouro escondido dentro de ti. Descobriste um fragmento da Verdade, foste tu quem o descobriu!

    Iupi!

    A sensação da descoberta de algo especial faz com que te sintas igualmente raro. Por momentos és um esteta, és um profeta, um cientista da alma. Mais adiante ouves uma frase, lês um parágrafo num livro de páginas amarelentas, lembras-te de algo que há muito havias esquecido e percebes. Percebes que a tal ideia, o tal tesouro, haviam já sido encontrados ou intuídos por alguém antes de ti. Ó tristeza, ó decepção!

    A mim já isto aconteceu muito mais que  várias vezes. Afinal sou um gajo como os outros, não posso considerar-me particularmente brilhante por ter descoberto o que outros já haviam encontrado, observado e dissecado antes de mim. Isso não faz de mim uma fraude, apenas uma pessoa iludida. Mas se tudo for apenas ilusão serei pouco mais do que alguém perfeitamente integrado no nada que tudo abarca.

    Não tenho a certeza de ter chegado a uma conclusão, nem sei se isso terá alguma utilidade (a incerteza ou a conclusão). O melhor é beber uma bujeca. Ou não.

domingo, dezembro 15, 2024

Lista de coisas fundamentais

1 - Acordei bem-disposto.
2 - Li coisas interessantes.
2 - Fiz uma caminhada.
3 - Vi pessoas.
4 - Comprei mantimentos no supermercado.
5 -Tomei um duche.
6 - Lavei louça.
7 - Almocei.
8 - Limpei arquivos no computador.
9 - Escrevi esta lista.
O dia ainda vai a meio.

terça-feira, dezembro 10, 2024

Espécie de elegia

     Não sei o que dizer. Sinceramente!? Nem sequer sei o que fazer. Assim sendo, deixo o trabalho entregue aos mecanismos do relógio na esperança de que as coisas possam fazer algum sentido caso seja o Tempo a responsabilizar-se pelo desenrolar dos acontecimentos. Entregar o destino a molas e rodas dentadas, ponteiros presos ao centro da circunferência das horas do dia.

    A impotência é grande. Perante a inevitabilidade dos acontecimentos encolho-me, abstenho-me, anulo-me. Faço a única coisa que me parece estar ao meu alcance: desenho. Como se cada imagem pudesse sublimar tudo o que se revolve dentro do meu ser; as tripas misturadas com a alma, o coração a tentar ser inteligente, as mãos resolvendo o que o cérebro não abrange sequer, coisas impossíveis, coisas patéticas: humanidade.

    Tivesse eu garras e presas, fosse eu todo músculo, todo instinto, todo arrojo, fosse eu um lobo faminto e talvez o mundo fizesse mais sentido, talvez pudesse viver mais sossegado, apesar do frio, apesar da fome, apesar dos homens.

domingo, dezembro 08, 2024

O problema

     É tão difícil compreender o que quer que seja mais complexo do que "o sol nasce - o sol põe-se". Mesmo isso pode tornar-se complicado, o Mundo não se deixa capturar. De forma nenhuma. Tenta-se a matemática, tenta-se a poesia, o esoterismo e a filosofia. Seja qual for a linguagem através da qual tentemos ler os sinais que o Mundo nos vai deixando a pontuar o caminho percorrido pela nossa espécie ao atravessar a floresta do Tempo, seremos sempre pequenos polegares perdidos e aterrorizados à procura de conforto e protecção.

    O caminho individual não parece funcionar lá muito bem, precisamos de companhia. Há passarões fantasmagóricos sempre dispostos a bicarem os sinais deixados pelo Mundo, os passarões querem a nossa perdição. E nós perdemo-nos. O entendimento do Mundo é assunto tão vasto e complexo que inventámos máquinas para o entenderem por nós. Mas são máquinas, Senhor! Os resultados das suas reflexões serão sempre insuficientes, desviados do Humano, pensamentos artificiais. Não servem para nós, não resolvem o nosso problema.

    Quanto mais depressa nos desenganarmos melhor. Melhor e pior. Quanto mais depressa percebermos que estamos sós, que fomos abandonados na floresta, quanto mais depressa abrirmos os olhos para a espessa escuridão que nos envolve, mais depressa perceberemos que não existe nada que possamos designar por "salvação". Para nos "salvarmos" teríamos de nos exterminar a nós próprios e, caso o fizéssemos, nunca poderíamos confirmar ter encontrado a solução do problema.

    Somos como um cão. Um cão que tente morder a própria cauda acabada de cortar rente com uma navalha afiada.

segunda-feira, dezembro 02, 2024

19 anos

     No passado dia 28 de Novembro o 100 Cabeças completou 19 anos de existência virtual. Não há qualquer sentimento especial associado à data. Não há qualquer situação extraordinária a reportar. As coisas são o que são, são pouco ou nada. E 19 anos a escrevinhar posts num Blogue são isso mesmo.

    Os textos que aqui vou deixando têm-me sido úteis em várias situações. Já me serviram para escrever peças de Teatro, já me serviram para programas de exposições e apresentações públicas. O 100 Cabeças é uma espécie de ferramenta.

    Irei continuar a fazer isto até não conseguir mais fazê-lo. Ainda o farei dentro de 19 anos?