Parece-me discutível
afirmar que, ao retirar dos programas escolares a obrigatoriedade da leitura de
“Os Maias”, se esteja a “não dar aos alunos a hipótese de ler a obra-prima de
Eça de Queirós” e a “impedir o acesso dos jovens a um monumento literário (…)”
como afirma António Carlos Cortez em texto publicado neste jornal no dia 14 do
corrente mês de Agosto. Quando frequentei o ensino secundário, nos anos 70 do
século passado, apesar de todas as pressões sobre mim exercidas, resisti
heroicamente à leitura integral do referido monumento. Embora tivesse o hábito
da leitura os meus interesses naquela época eram outros. Preferia, de longe, a
Colecção Argonauta depois de ter papado os clássicos que eram uso e costume
papar naquela época. Lembro-me como se fosse hoje do fascínio que exerceu sobre
o meu imaginário “O Romance da Raposa” logo após ter aprendido a juntar as primeiras
letras. A comoção que me causou “O Príncipe e o Pobre” ou o fascínio aventureiro
de “A Ilha do Tesouro”, o doce terror que me provocaram “As Aventuras de Huckleberry
Finn” ou as peripécias de Tom Sawyer. Isto, lá em casa. Na escola tentaram
impingir-me coisas difíceis de tragar. “Constantino, guardador de vacas e de
sonhos” ainda vá que não vá, já “Os Esteiros”, para um rapaz de 12 ou 13 anos,
vai lá vai! Logo me atiraram “Os Lusíadas” à cabeça. O hematoma foi de tal
sorte que, até hoje, não li integralmente a obra-prima da nossa literatura. Com
“Os Maias” foi diferente. Já adulto, senti curiosidade e li o livro de fio a
pavio. Na escola tudo fiz para iludir a professora tentando convencê-la de que
lia a obra quando, na verdade, contava as páginas que faltavam para chegar ao
fim, saltando capítulos inteiros e fintando expressões que não compreendesse às
primeiras. Uma seca, como diria o Eça. Seja como for, hoje sou um leitor
razoavelmente curioso. A minha dúvida é perceber se o sou graças aos trabalhos
forçados que me quiseram impor na escola ou se o sou apesar deles. As
carpideiras da cultura que têm choramingado por aí a perda (!?) de Os Maias,
querem mostrar-nos a grandeza da arte com argumentos que fariam roncar de tédio
uma estátua de mármore. Estou convencido que há na vida um tempo certo para
cada coisa e que há, de facto, aprendizagens essenciais que se afiguram muito
mais prementes e determinantes que qualquer monumento literário nacional ou
obra-prima universal. A mais essencial de todas é aprender a ser curioso e encontrar
prazer no conhecimento. Se não conseguirmos impingir tais evidências à rebeldia
adolescente bem podemos munir-nos de marretas e obras-primas para lhas
martelarmos diariamente no meio da testa. Não adianta. Se, por outro lado,
formos capazes de despertar na turbamulta a vontade de aprender Eça pode esperar
descansado. Terá clientes.
Carta enviada ao director do jornal Público
Sem comentários:
Enviar um comentário