quarta-feira, outubro 29, 2025

Futurismo

     A sensação instalou-se e nada poderá desalojá-la: o destino da humanidade é mais curto do que se poderia imaginar há apenas duas ou três décadas atrás. Talvez a coisa não seja assim tão radical, haja esperança. Talvez fiquem por aí uns quantos, para semente. Talvez restem pequenas comunidades de seres humanos capazes de resistir e repovoar o que restar de território habitável. Talvez haja esperança para a existência de Deus.

    Parece-me indiscutível que as divindades, tal como acontece com as fadas, dependem daqueles que nelas acreditam para que possam existir. O que será de Jeová sem as Suas criaturas, os Seus altares, as Suas testemunhas? 

    Assim, esta correria vertiginosa da nossa espécie em direcção ao abismo civilizacional parece-me uma espécie de suicídio divino. Talvez as tribos amazónicas que não sabem o que é o aquecimento global ou o continente de plástico, que desconhecem Jeová, Alá e outros aleijões do género, que nunca viram um gajo como eu ou como tu, pacientíssimo leitor, talvez essas tribos venham a reinar no planeta tendo como adversários o crocodilo e a pantera, verdadeiras divindades da floresta.

    Talvez a Bomba nunca chegue a ser lançada.

terça-feira, outubro 28, 2025

Solubilidade

     O céu fechou-se de súbito. O sol não foi para ali chamado e o dia ficou semelhante a uma noite qualquer. O vento a marulhar nas folhas das árvores confundiu-se com o ruído da chuva a cair. O ar não estava frio, sentia-se um leve calor. Que fazer? Devia esperar que a chuva amainasse ou meter pés ao caminho? Não lhe apetecia tomar uma decisão por isso ignorou o problema, fez com que não existisse. Não existindo problema ficava tudo bem; a escuridão, a chuva, a temperatura ambiente.

domingo, outubro 26, 2025

Abandono

     Acorda triste sem saber porquê. Cumpre as rotinas com sinceridade. A tristeza mantém-se, é como se lhe roesse as unhas dos pés. Sentado, mastiga o pão, bebe o café. Tem o olhar fixo na parede em frente. A parede é verde desmaiado. Sente-se fraco. Sente-se ainda mais triste.

    Levanta-se. Apetece-lhe terrivelmente um cigarro mas deixou de fumar há nove meses. Esta constatação traz-lhe  uma ideia estúpida à cabeça. Sente-se pior. A tristeza matinal vai-se transformando em auto-comiseração. O que fazer? Continuar a cumprir religiosamente a rotina não lhe parece ser suficiente. Não há salvação possível.

    Volta-se para a estrada. Os carros passam deslocando-se com velocidade comedida. Fica assim durante algum tempo: estático, absorto, fantasmático. Por fim resolve dar um passo em frente. Abandona o local.

sábado, outubro 25, 2025

Coisa(s)

     É uma coisa estranha: agora estamos aqui, um minuto depois deixamos de existir. Agora falamos, pensamos, somos ouvidos, um minuto depois somos feitos apenas de silêncio, estamos mortos. Se porventura somos fruto de um plano e trabalho divinos o sentido da narrativa escapa-nos por completo. Não faz sentido nenhum. E os padres (pelo menos os católicos) defendem a sua posição recorrendo à problemática insolúvel dos "mistérios" e dos "caminhos do Senhor" para nos explicarem que não há explicação nenhuma que seja minimamente satisfatória. É tudo coisa lá da cabeça de Deus.

    

quarta-feira, outubro 22, 2025

Felicidade e descanso

     Todos os dias um gajo fica à espera de mais uma enormidade, outra filha-da-putice vinda do lado de lá do Oceano. Ele é o cafézinho, os flocos, o pão com manteiga ou o croquete e o trampas a perorar na sua rede social muito apropriadamente designada por "truth". É rotineiro.

    Por cá o aprendiz de feiticeiro continua a inchar, como sapo que fuma. Cada vez mais vaidoso, mais cheio de si, a lamber as beiças constantemente como se perante a possibilidade de abocanhar o poder não conseguisse evitar salivar como um porco defronte à lavagem, o trampas nativo vai fazendo o seu caminho.

    Custa-me um pouco dar de trombas com esse gajo a cada curva, ao dobrar de cada esquina, todos os dias a sua figura move os lábios e pisca os olhos nos ecrãs de TV; um gajo cheio de tiquetoques e conversa da fazer boi dormir, a repetir até à náusea as mesmas tretas. Fartei.-me.

    Desde há um par de dias a esta parte que sempre que o imbecil aparece no ecrã mudo de canal ou tiro o som ou desligo a TV e me entrego a actividades mais edificantes do que estar pasmado a olhar para um cagalhão. Sinto-me muito mais feliz, mais descansado.

segunda-feira, outubro 20, 2025

El-rei Pançudo

     Traduzir um texto resulta sempre numa interpretação. Traduzir o Rei Ubu ultrapassa a ideia anterior para trás e para a frente (com duas voltas completas sobre o nariz do espectador/leitor utilizado à laia de eixo de impossível simetria). Em breve será editada a versão que fiz para a Arte 33 que a Ana Nave encenou e levou ao palco do Teatro-Estúdio António Assunção em Novembro de 2017. Onde? Em Almada, caraças!

    O texto vai ser editado pela Tordesilhas, editora do José Xavier Ezequiel com lançamento previsto para o próximo dia 29 de Novembro no Salão das Carochas. Onde? Em Almada, gâmbias de Deus! A coisa dar-se-à um pouco antes da reposição de Uma Pedra no Sapato, peça da Arte 33, encenada pela Ana Nave, escrita por mim e pelo Francisco Silva, peça que integrará a 29ª Mostra de Teatro. Mostra de Teatro de...? De Almada, eu seja corno!

    Se tudo correr como previsto haverá leitura de uma cena pela Josefina Correia no papel de Mãe Ubu e pelo Carlos Antunes a fazer de Pai/Rei Ubu. A proposta é que leiam logo a 1ª cena cena que começa com o Pai Ubu a declarar altíssimo e muito bom som: TRAAAAMPAAA! (e não "merdra"... que raio de merda é merdra?)

    Depois havemos de beber umas garrafas de tinto e, talvez, uma garrafita de branco. Ah, como é refrescante a liberdade de expressão. 

sábado, outubro 18, 2025

Sinceramente

     Os dias vão passando e um gajo sente a imunidade que o hábito lhe vai conferindo. Ouvir aquela voz já não provoca uma revolta imediata, tal como ler mais aquela mentira travestida de notícia já não faz o coração disparar a toda a brida. Não, o tempo tudo cura, diz-se, ou qualquer coisa do género. Ou, se não cura, o tempo, pelo menos, endurece a nossa capacidade de lidar com a monstruosidade.

    A colecção de cromos monstruosos vai alargando. Trump, Meloni, Orbán, Farage, Abascal, Le Pen, Milei, Putin, Netanyahu, Bolsonaro, etc. Como parar esta gente alimentada a milhões por uma legião de sacanas ricaços? Como reverter esta onda destruidora que submerge a espécie humana e se desinteressa de proteger os seus habitats? 

    A escrita deste post é banal, é fraquinha, não empolga mas é sincera.