sábado, agosto 16, 2025

O homem que comia bananas

     "Comediante" é o título de uma obra de Maurizio Cattelan que consiste em... acho que se disser que é "aquela" banana o tolerante leitor perceberá imediatamente do que falo. É uma banana colada à parede com um pedaço de fita-cola cinzenta (soa melhor "prateada"). Meu deus! Isto é arte? Vou colar uma banana na parede da sala... etc. As reacções são variadas e, na maior parte das vezes, desinformadas. A história de "Comediante" é muito simples mas não é dela que pretendo falar neste post.

    A obra de Cattelan já foi comida, pelo menos, três vezes sendo que as duas últimas (a derradeira na exposição de Serralves) foram autoria de um cidadão holandês, ou neerlandês, como agora é de bom tom dizer, Peter van Druten de sua graça. Ao que parece, van Druten reclama ser autor de uma intervenção artística. Teremos aqui um artista contemporâneo em potência?

    A primeira parte da obra de van Druten aconteceu em Metz onde, acometido de um impulso incontrolável, decidiu descolar a banana da parede, descascá-la e comê-la. Segundo o potencial artista, Cattelan ter-lhe-á dito que deveria comer também a casca e a fita uma vez que fazem parte da obra. Vai daí, o súbdito de Guilherme Alexandre viajou até até à "Inbicta" e morfou segunda banana. Ao que parece, desta vez, não terá conseguido comê-la na totalidade uma vez que casca e fita-cola são mais difíceis de mastigar.

    E por aqui me fico se bem que esta fábula tenha mais contornos pitorescos e extrapolações interessantes. Termino com uma proposta de título para a acção/performance/obra de van Druten: O Palhaço.

sexta-feira, agosto 15, 2025

Erudição

     Gostava tanto de ser um erudito. Caramba, se gostava! Se não desse tanto trabalho haveria de ser um erudito. Sendo assim, não sou. Não posso ser, não consigo. Faltam-me toneladas de páginas, quilómetros de palavras, imensidões que nunca olharei, reflexões que nunca poderei fazer. Tenho pena.

    Ultimamente talvez este meu secreto desejo esteja discretamente a perder força dentro de mim. Não é por nada, apenas que a erudição tem vindo a perder valor na bolsa de activos da popularidade. Ser bronco parece estar a dar muito mais do que mostrar algum tipo de conhecimento e capacidade de reflexão. Ainda assim não invejo os broncos por serem o que são. Mas faço de conta que não penso nesses assuntos.

    Como, lá no fundo, um gajo quer ser qualquer coisa desde que isso lhe confira alguma popularidade e a erudição anda pelas ruas da amargura... bom, talvez eu possa pensar numa outra opção. 

    Num tempo em que o homem mais poderoso do mundo é um mentecapto em nítida regressão, um homem que se aproxima da amiba a cada dia que passa, será natural que os toscos, os estúpidos e os imbecis se sintam vingados. Os intelectuais, os eruditos, essa gentalha que tem a mania que sabe coisas, tem aqui a prova viva de que a boçalidade e a ignorância mais rasteira podem constituir e enformar o poder mais poderoso. Toma!

    E pronto. Se calhar não é assim tão deprimente saber que nunca poderei ser um erudito. Talvez eu possa ser um estúpido imbecil e sentir-me realizado com isso. 

quarta-feira, agosto 13, 2025

Um imenso adeus

     Pensar nem sequer provoca dor! Antes pelo contrário. Não pensar, sim, é doloroso e provoca tantas desgraças que parece bruxaria. Agir sem pensar (ou desprezando o pensamento) provoca estranha agitação nas ondas da realidade e traz para as praias deste mundo lixo variado e muito difícil, se não mesmo impossível, de reciclar. "O sono da razão engendra monstros", compreendeu Francisco de Goya, as praias da realidade estão a deitá-los por fora.

    Sempre fomos estúpidos. A nossa espécie tem a capacidade de engendrar artefactos maravilhosos à mistura com os inevitáveis monstros e isso vai disfarçando a nossa infinita estupidez enquanto espécie. Somos qualquer coisa entre o imbecil e o génio que se reinventa incessantemente sem nunca parar para pensar. Agimos de forma impulsiva e desregrada. Não pensamos o suficiente sobre as consequências das nossas acções.

    Adeus. 

terça-feira, agosto 12, 2025

Perutz

     Senti uma súbita necessidade de contradizer o meu post anterior. Confesso que o escrevi sem pensar no que fazia e o resultado é um pouco nefasto. Não queria dizer aquilo, antes pelo contrário. Não penso assim, a construção das frases peca por ser tão infantil, o remoinho do tempo baralhou-lhe o sentido e nada daquilo poderia, alguma vez, existir fosse em que universo fosse tentado.

    Dito isto passo a explicar que acabei de ler O Marquês de Bolibar, de Leo Perutz, e não fiquei maravilhado. Já O Cavaleiro Sueco, do mesmo autor, me deixou à beira de ficar descalço. Nas badanas e contracapas os editores colocam frases de alguns dos meus heróis literários: "O exemplo perfeito de um romance fantástico no seu estado puro", terá dito Jorge Luís Borges de forma que me parece um tanto exagerada. Italo Calvino terá sido outro leitor devoto deste escritor austríaco nascido em Praga (!!). Enfim, com estas conversas lá me convenceram a ler dois romances que, não fossem estas vozes de fantasmas queridos, dificilmente seriam objecto da minha atenção.

    Sim, há nestes romances qualquer coisa de extraordinário, algo de maravilhoso, mas em doses homeopáticas. Para me satisfazer teria de ser algo mais brutal, mais animalesco. Seja como for, caso não conheças este escritor, experimenta lê-lo, errático leitor. Talvez O Cavaleiro Sueco seja entrada mais apetecível mas, diz quem sabe, O Marquês de Bolibar é obra-prima. 

Tenho dito

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sábado, agosto 09, 2025

Babel (texto corrido, escrito à primeira e sem revisão, provavelmente uma xaropada)

    Podíamos ter sido tanta coisa que não fomos! Mas acho que isso não retira nem um bocadinho à grandeza dos nossos actos. É uma grandeza grandiosa, uma grandiosidade construída sobre a força da vontade que temos quando a coisa arde dentro de nós e não sabemos muito bem como lidar com ela. E essa força empurra-nos em todas as direcções e nós vamos, deixamo-nos ir porque isso é bom e temos a sensação de estar a fazer qualquer coisa que é fixe. E fazemos. E depois esquecemos que fizemos aquilo e damos por nós já a fazer uma outra coisa. E vivemos assim, fazemos dessa construção o nosso modo de vida, trabalhamos nas fundações da Torre de Babel sem sabermos que estamos precisamente ali, na base de todas as coisas que hão-de um dia acontecer.

    Quando olho para trás tenho, por vezes, esta sensação de grandeza, de plenitude, quase me sinto realizado. Mas logo me assalta o homenzinho cristão que habita algures entre as minhas orelhas e vem bichanar-me aos ouvidos palavras sensatas e absolutamente equilibradas que me mostram como sou insignificante e não valho nem a ponta de um chavelho do diabo mais escanzelado do inferno. E eu penso "quero que te fodas, eu fiz coisas, caraças!" E regresso ao meu sonho e sou outra vez um operário a martelar calhaus do tamanho de autocarros e percebo perfeitamente tudo o que dizem os outros gajos e as outras gajas que andam por ali a cirandar, a cumprir o plano de um arquitecto que nunca vimos, não fazemos a mínima ideia de quem seja, mas acreditamos piamente no plano que elaborou para a construção da puta da torre. Arriba!

    A memória do dilúvio corrói a mente de todos, é um pesadelo que nos tira o sono e nos mantém a trabalhar mais de 24 horas todos os dias que deus ainda não arredondou bem esta coisa da lua e do sol e os horários são coisas mais complexas do que deviam. Os dias ainda não estão bem acabados e a torre vai por aí acima que é uma beleza de se ver. Cansados? Sim, mas orgulhosos da obra que vamos realizando. Quanto mais longe estivermos da terra mais seguros nos sentimos que este deus é muito fixe, é muito fixe mas meto um medo do caraças! O gajo é meio descompensado e o pessoal já não confia nele como confiava. Vamos muito mais pelo arquitecto que nos mostra planos claros e não parece zangar-se quando fazemos merda ou preguiçamos um bocadito.

    Podíamos ter sido artistas contemporâneos no século XX, poetas no século XIX, construtores de catedrais góticas, pintores no Renascimento, curadores de arte no século XXI, podíamos ter sido tanta coisa que não fomos. Mas andámos por lá, na Torre de Babel até deus se chatear por não ter percebido nada. Por ter imaginado que queríamos aproximar-nos da morada dele! Fogo! Nós queríamos era ficar longe das águas caso caísse outro dilúvio ou viesse um tsunami que varresse tudo. E lá veio a confusão das línguas e a Torre ficou assim mesmo, inacabada. Ainda assim um espectáculo, um regalo para a  vista.

    Hoje falo português, um pouco de francês e inglês. Arranho espanhol e é tudo.

sexta-feira, agosto 08, 2025

Solidão macaca

    Ena, o gajo conseguiu! Grande cromo, sim senhor, nunca pensei que fosse capaz. E ainda se mantém em pé apesar de vacilar um pouco, quase não se nota. Eu reparo nas tremuras porque assisti à coisa desde o início e, muito sinceramente, nunca pensei que um ser humano pudesse realizar aquela façanha. Aquilo está ao nível das capacidades físicas de um grande símio, talvez um orangotango habilidoso conseguisse... só visto! Contado ninguém acredita, palavras não são instrumentos adequados para descrever tão insólito acontecimento.

    Além de mim só o filho mais novo do meu amigo parece ter assistido ao feito do homenzinho que agora se sentou e respira fundo; decerto tenta recuperar o coração e trazer a alma de volta ao corpo que aquilo foi coisinha para ela quase se ter perdido de quem é. Olho para o puto em busca de algum tipo de cumplicidade mas ele parece absolutamente alheado de tudo o que o rodeia. Está absorto, completamente concentrado na bolacha do gelado que começa a amolecer de forma ameaçadora. Sei que ele viu o homem a fazer aquela coisa extraordinária mas terá, de facto, reparado? Terá noção de como foi prodigioso o que vimos? O que será prodigioso para o meu pequeno amigo?

    O homem levantou-se, vai abandonar o local. O puto já tratou do gelado, tratou da bolacha e tratou de qualquer coisa mais mas não percebi o que era e tenta agora lavar as mãos num balde plástico com água que transportou desde o mar mas só consegue meter dentro uma mão de cada vez. Está complicado. O puto olha para mim com uma expressão que parece solicitar ajuda. Não mostro a mais pequena disponibilidade e ele desinteressa-se e vira o balde, espalhando água em seu redor. Não lhe vejo sinais de deslumbramento nem perguntas sem resposta sobre os limites das capacidades físicas do corpo humano. O pai e a mãe continuam absortos nos respectivos telemóveis. Desenrasque-se!  Eu sinto-me muito só.

quinta-feira, agosto 07, 2025

As pombinhas da Catrina

As coisas nunca foram assim tão definidas, nunca antes a sua mente havia explicado a si própria com tamanha precisão as coisas como elas são, e pronto. 
E pronto? 
Foi-se. 
Não terá aguentado a descarga. 
 
Lá vai mais uma. 
Tragam o próximo candidato. 
É outra mulher. 
Ok, tudo bem. Pode ser que esta aguente. 
Pode ser. Era fixe. 
 
A lucidez é terrível quando cai assim, em cima de uma pessoa, toda de uma vez. 
Mas esta gente fez workshops específicos, valha-me Deus! Assinaram termos de responsabilidade!
Alguns podem ter dito que estavam a perceber sem perceber nada, sabes que há pessoas assim. Não são workshops o que nos vai resolver o problema.
Também me parece.
Os accionistas já começam a falar. 
Por enquanto falam baixinho. 
 
Energia! 
Lá vai outra...