A sala estava silenciosa, todo o ruído provinha do exterior. Vozes que ondulavam no esforço de penetrar as paredes, ultrapassar as janelas fechadas, vozes que haveriam de pertencer a alguém mas que por agora não tinham rosto. Talvez nunca tivessem. Uma sirene distante encantou o silêncio quase conseguindo levá-lo com ela. Lá longe, para longe. Uma sirene...
A sala permanecia, boiava no silêncio.
Quatro filas de carteiras com tampo bege, cadeiras nem todas devidamente arrumadas, nem todas iguais. Aquele espaço era o seu reino. Paredes sujas, a porta com um vidro magrinho, plantado ao alto, um ecrã e um projector e um computador asmático, companheiro de trabalho mais ou menos fiel, escravo de quantos sentavam o cu naquela cadeira onde escrevia, agora mesmo, estas palavras. Passos no corredor, vozes, cadeiras arrastadas no andar de cima. Silêncio. Silêncio outra vez.
A sala, vazia e pouco limpa, era o seu reino apesar de não ser rei de coisa nenhuma, de não pertencer a lugar algum, nem em sonhos. Talvez não quisesse ser nem pertencer. Talvez não quisesse nada, nem sequer ser personagem deste conto mal-ajambrado. Talvez não existisse, não exista.
A sala, vazia! Todo o ruído disparado do exterior. Luz acesa, computador ligado. Sala silenciosa. Há um encanto indefinível na ausência absoluta, talvez por podermos apenas imaginá-la. Sons cada vez mais espaçados, mais distantes, o vulto de um pássaro na janela, recortado sobre o céu que escurece com a tarde a ir embora, um céu agora apenas azulado. O apito de um professor de educação física soou longe, como se fosse um lamento.
A sala não existia mas, no entanto, ali estava. Vazia. Silenciosa. Abandonada.