quarta-feira, fevereiro 28, 2018

Ser artista

Será tudo isto uma questão de vaidade? Escrever, desenhar, querer fazer arte será uma mera questão de afirmação pessoal, uma necessidade insaciável de sair da massa, destacar-se da mediocridade mesmo arriscando ser medíocre?

Quando o dia amanhece ainda nocturno a dúvida ganha nitidez por contraste com a escuridão envolvente. Aquilo que passaria desapercebido lá para o fundo da sala, escombro desprezível encostado ao canto, fica visível como um néon a piscar, avariado.

A questão incomoda um pouco. Afinal de contas a velha "vanitas" é fortemente censurada pela moralidade construída a partir do sentimento cristão. Eu tive uma educação católica. Faz comichão e não consigo alcançar o ponto comichoso para o coçar, não sou capaz de aliviar o incómodo.

A primeira vez que fui confrontado com esta dúvida foi durante a leitura de Narciso e Goldmund, de Herman Hesse.  Passava então pelos meus 18 ou 19 anos e havia entrado na Escola Superior de Belas-artes. Li o livro no contexto da disciplina de Estética e, a partir dele, realizei um trabalho teórico de que já não consigo recordar o tema mas que estava, decerto, relacionado com o fascínio que então sentia (e que ainda sinto) pelo mundo e pela arte da Idade Média na Europa.

Desde então que esta pergunta habita a minha alma. A maior parte do tempo é uma pergunta adormecida mas, de vez em quando, ela acorda e deixa-me um pouco inerte, um pouco hesitante. Talvez seja necessário possuir um ego desmesurado para se ser artista, uma certa dose de soberba e um amor-próprio digno de um crocodilo do Nilo.

Seja!

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