quarta-feira, agosto 10, 2011

Sonho de uma noite de Verão

Hoje acordei com o rosto vestido de cores muito desmaiadas. Ao entrar na pastelaria, para tomar o meu café queimado, não sabia ainda se deveria falar com o empregado de balcão sobre o tempo que fazia, se de futebol ou do sentido da vida, coisa que se me revelara, para meu eterno espanto, durante o sono da noite anterior.

Fiquei-me pelos resultados futebolísticos da véspera e sobre a questão, não tão pouco metafísica quanto isso, de raramente haver coincidência entre o desejo do adepto e as realizações, sobre o relvado, da equipa que nos bombeia o sangue nas veias.

Percebi que, mais por pudor que por dúvida fundada, dificilmente poderia revelar a quem quer que fosse a revelação extraordinária que me visitara o sonho da noite anterior. Penso que foi logo ali que comecei a esquecer o sentido da vida, coisa que quase toda a gente tem por segredo divino. Isso, porque falar de futebol é bem mais fácil que jogá-lo e falar de coisas transcendentes não acompanha muito bem o cafézinho matinal, por muito queimado que seja e açúcar que lhe deitemos dentro.

Se assim não fosse (se falar da beleza fosse fácil) muitos de nós haveriam de se dedicar à prática quotidiana da Filosofia, como Sócrates na ágora. No café, no mercado, na paragem de autocarro, havíamos de filosofar sem remorso nem receio de sermos tomados por lorpas.

Talvez até pudessemos colher aquelas floritas amarelas que crescem bravias nos montículos de sujidade que se erguem com timidez entre os prédios e levá-las na mão sem ter vergonha dos olhares por trás dos cortinados e do vento, tão ligeiro. Talvez pudessemos levar as floritas na mão, como uma criança que transporta um motivo de orgulho contra o peito (uma rã ou um gafanhoto ou um passarinho caído em desgraça) com aquele gesto que, em simultâneo, protege e revela ao mundo uma coisa que não espanta ninguém mas faz de nós o mais feliz dos animais em volta.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ótima crônica!
Gosto de seus textos. Às vezes discordo do conteúdo ideológico, mas só às vezes!!!! srsrs

Silvares disse...

Eduardo, isto é um vento que me leva! Eu só me deixo ir, pouco mais faço.
:-D
Grato pelas suas palavras.