Reclamava santidade. Que tinha encontrado Cristo numa volta do caminho e Ele lhe tinha falado. Que lhe disse? Complicado saber, pois que havia emudecido em função do milagre e a sua escrita padecia de uma ortografia desastrada criando densas selvas de sinais, signos e significados. Compreendê-la era aventura para quem tivesse suficiente coragem ou engenho correspondente; no mínimo, paciência.
Era, assim, uma santa pouco capaz de despertar paixões místicas ou orientar vocações religiosas. Ninguém lhe ligava puto. Mas ela sabia muito bem o que acontecera naquela tarde de calor insuportável. Não tinha, dentro da alma, a mais pequena dúvida sobre a identidade daquele que lhe sorrira de feição tão fulminante e lhe falara dentro da cabeça as seguintes palavras: "Olá maluquinha, tás bem arranjada!" e foi tudo. Tão depressa falou lá foi à sua vida (ou existência ou lá como se pode designar aquilo que anima o Cristo) deixando-a ali especada, mijo pernas abaixo, olhar desorbitado, a tremer, a tremer, a tremer...
O pessoal goza com ela, toda a gente satisfeita por ter, finalmente, uma tolinha na aldeia como manda a lei. Os cães ladram-lhe, os gatos nem sequer a olham. Mas ela: santa! Santa que viu o Cristo! Mais santa que muita santa de pau carunchoso e milagre duvidoso. Quando lhe pedem que explique o que aconteceu entre ela e o Filho de Deus lá vem aquele arremedo de linguagem gestual que é o que lhe resta para tentar comunicar com os outros habitantes deste mundo.
É uma risota, um autêntico fartote, ver aquela mulher já desdentada, magra como uma louva-a-deus, a tricotar palavras imaginárias com braçadas frenéticas, esgares alucinados (os olhos tão expressivos!), aos saltos e aos pulos, a deitar gafanhotos por onde haviam de sair as palavras que o Senhor resolveu levar-lhe.
Nas noites de menor fervor cristão a mulher duvida que tenha sido milagre o que lhe aconteceu ou, talvez, que milagre e maldição sejam coisas da mesmíssima família, Deus a tivesse protegido.
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