quinta-feira, novembro 05, 2020

Sísifo reinventado

Transformar a sociedade é um trabalho lento e penoso. Deus levou 7 dias a criar o Universo ou lá o que foi, mas nós, comuns mortais limitadíssimos nas nossas capacidades criadoras, andamos séculos para fazermos coisinhas de nada. 

Olhando para o mundo em que vivemos percebemos que vamos atravessando o "tempo do vinho e das rosas". Apesar de toda a fome, toda a miséria, todas as injustiças, nunca o mundo foi tão igualitário, tão rico e tão justo como é agora. É uma espécie de paradoxo mas é um paradoxo em construção. 

A Democracia é um bom exemplo para ilustrar o que tento explicar com este texto: diz-se que é um sistema político imperfeito mas é o melhor que, até agora, conseguimos engendrar. A Democracia nunca está completa, trabalha-se e constrói-se todos os dias, a toda a hora, na tentativa de encontrar um processo que permita melhor "distribuir o mal pelas aldeias".

A qualidade de uma sociedade mede-se pela sua capacidade de proteger as minorias que nela habitam seja no reconhecimento dos seus direitos, seja na capacidade de os fazer valer. Os sistemas democráticos tendem a evoluir nesse sentido. Trabalho complicado.

Custa-me perceber que, tal como aconteceu nos Estados Unidos sob a liderança do Donald, após décadas de lenta construção, baste um burgesso empoleirado no cadeirão do poder para que tudo venha por água abaixo. Faz parte do jogo democrático mas é duro, o todo social plasmado na figura de Sísifo, a pedra levada até ao topo a rolar de novo encosta abaixo. Recomecemos...

E é este o Sentido da Vida: recomeçar, continuar, subir a encosta na esperança de que esta vá crescendo, que o cume fique cada vez mais longe e descobrir o truque. O truque consiste em escavar, aplanar, inventar patamares ao longo da encosta que evitem que a pedra, quando rola, regresse à base da montanha. 

De cada vez que recomeçamos fazemo-lo num ponto mais elevado da encosta. É esse o nosso legado para as gerações futuras: uma encosta cada vez maior e menos inclinada, repleta de pontos de travagem e descanso. Sabemos que o trabalho nunca estará concluído mas não é essa a beleza da existência humana?

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