domingo, junho 16, 2013

Balão vazio

A imagem que tenho da nossa sociedade e do nosso modo de vida parece-se, cada vez mais, com um balão vazio. Um daqueles balões coloridos que, cheios, prometem voar pelas alturas, brilhantes, perfeitos e lisos mas que, quando perdem o ar que os encheu, ficam com aquele aspecto murcho, o aspecto desolador das coisas que não correspondem mais à esperança que nelas se depositou.

A cada dia que passa torna-se mais evidente que as promessas que fazemos a nós próprios são quase tão difíceis de cumprir quanto o sonho que as permitiu é impossível de encaixar na realidade. Há qualquer coisa de nefasto nesta constatação. Recordo as histórias de Philip K. Dick, com os seus "heróis" tristes, constantemente desiludidos com a revelação dos factos em confronto com as suas ilusões.

É isso! A cada dia que passa tenho a sensação de viver dentro de uma novela de K. Dick. E se a minha vida fosse apenas o resumo de umas quantas páginas de um conto de Dick? Se eu e tu, caro leitor, não formos mais do que personagens de ficção de uma novela deprimente escrita por um autor que já morreu? E se a nossa vida for apenas um balão que se esvazia lentamente, um balão que está quase, quase a atingir o seu último sopro?

5 comentários:

luísM disse...

Ó Silvares, não te suicides antes da greve!

A vida não é uma novela de escritor nenhum. Está fragmentada nas novelas de todos os escritores e nos textos que ainda não foram escritos e nos textos que nunca serão redigidos. Cada um deles é uma faceta, um ponto de vista, mas nenhum deles encerra o segredo da complexidade e infinita variedade dos ciclos do sol e da lua, lá fora e cá dentro, na cabeça e no corpo. O balão nunca estará cheio.

O problema é que os mandantes nunca têm inquietações nenhumas, quase todos e quase nenhumas. Têm o poder, mas não sabem para que serve e não sabem que fazer com ele, a não ser um caldo merdoso destinado à sanita. Sempre tiveram o balão quase vazio e, na cegueira, encheram-no de mijo, não de gás.

Outros tempos virão, porque a morte negra apagará o rasto dos vermes que rastejam maravilhados consigo próprios, impantes de arrogância míope.
Vermes que se acham gente, porque não sabem e imaginam mal o que é ser gente!

Silvares disse...

Luís, quem te escreveu a ti? Quem escreve através de ti essas palavras?
:-)

luísM disse...

Eu e todos os escritores para trás de mim e os que escrevem agora. Todos escrevem o que estou escrevendo. Não vislumbro as suas caras definidas, porque eles também foram escritos. Só os vejo quando eles conversam comigo através dos seus escritos, depois dão o lugar a outro e assim, enquanto se escrever.

Fazemos parte da biblioteca universal do José Luís Borges. Já lá constamos, mas não na escrita definitiva. Essa ainda se está a fazer, embora já lá estejam referências que nos poderiam parecer que nada mais pode ser dito.

É por pensar isto que hoje não aceitei vergar-me ao governo. Não aceitei a escola que está a ser construída/destruída, onde não há tempo, lugar e disponibilidade para que o pensamento surja. Onde só há lugar para os pacotes normalizados de informação, para empacotar e estereotipar as cabeças dos professores e alunos. A escola onde se repetem os discursos fechados, onde tudo parece ter sido escrito definitivamente.

Silvares disse...

Luís, o José Luís Borges? Na conheço. Imagino que estejas a falar do ceguinho dos espelhos...
:-D

luísM disse...

Pois é Jorge, a pressa de escrever faz-me ficar como o nosso presidente...