quinta-feira, outubro 18, 2012

Premonição inquietante

Não sei se é coisa normal ou sequer coisa esperada. Estou em crer que quem não anda junto aos mais jovens não faz ideia do que, na realidade, se passa.

É do domínio do senso comum falar-se da falta de conhecimentos e falta de preparação cultural das gerações que vêm atrás da nossa. Faz parte da evolução da espécie. Nunca consideramos os mais jovens como iguais e, nos raros casos em que tal acontece, é motivo de espanto profundo e sincera admiração.

As mais das vezes, essa desconsideração, quase sobranceria, dos mais velhos em relação à cultura dos mais jovens, é vista pelas mentes mais abertas e tolerantes, como sendo descabida, motivada por despeito, quase inveja, coisa provocada pela implacável proliferação das rugas bem como de alguma confusão capilar no cucuruto.

Mas, para quem, como eu, convive com jovens genuínos, daqueles que existem de facto no mundo real, jovens simpáticos, razoavelmente educados, capazes de aceitar a autoridade do professor e chegar a horas à sala de aula, para esses, a percepção do estado cultural destes cidadãos potenciais é algo de extraordinário. Ultrapassa largamente as mais baixas expectativas que possamos ter.

A cada ano que passa os alunos que sentam defronte a mim, eternamente jovens, sempre outros, mostram novos e sempre maiores graus de desconhecimento a todos os níveis. É uma coisa espantosa! Não sabem quem foi Cristo da mesma forma que ignoram por completo a localização geográfica do Egipto, ainda que já andem neste mundo há 17 ou 18 anos.

Não me conformo e ataco com fúria quase evangélica cada nova aula. Os objectivos são difusos. O tema da aula pode ser a arte grega mas acabamos a falar de Camões ou a tentar perceber o que é um preconceito. É tudo novo, é tudo motivo de espanto, por vezes quase deslumbramento. Perdemo-nos nas planícies do conhecimento. Eu à frente, eles atrás de mim, como patinhos recém-nascidos que seguem o primeiro ser vivo que lhes aparece à frente.

A verdade é que o grau de ignorância ultrapassa todas as expectativas. O que funciona mal? Porque estão os meus alunos tão alheados do mundo que os rodeia? Será o ambiente familiar? Será uma tendência quase patológica para se fecharem em mundos virtuais que podem limitar-se a um qualquer jogo de consola ou de computador que os leva a repetir maquinalmente gestos e acções em direcção a lugar nenhum? Será um mundo mediático dirigido aos adolescentes que os trata como imbecis e analfabetos funcionais desde que isso garanta retorno económico aos promotores desses canais de "informação"?

Talvez seja um pouco de tudo isto e mais umas quantas coisas que não me lembrei agora, um caldo de falta de cultura que cria cidadãos incapazes de funcionar como tal. Haverá algum plano por detrás disto? A quem interessa tanta apatia e indigência cultural?

Olho para os governantes actuais, olho para os miúdos sentados na minha sala de aula. Vejo um futuro muito pouco brilhante... ainda assim é um prazer ser professor. Dá-me alguma esperança de não cair nunca no mar da inutilidade. Quem sabe ao fim do dia contribuí para acender algum pequeno fósforo que ilumine um bocadinho uma noite muito escura?

5 comentários:

Anónimo disse...

Não é inveja, tão pouco despeito dos mais velhos. As gerações de nossos pais eram mais cultas e instruídas que as nossas, e as dos meus filhos e netos, claramente inferiores, em cultura e instrução, do que a minha. A educação que as escolas dão hoje é infinitamente mais pobre do que a que recebemos. Razões econômicas, e crescimento da população, fizeram o ensino perder qualidade. Massificou-se. Perdeu densidade.E sem dúvida nenhuma, os meios de comunicação, e o imediatismo, colaboram para tornar o desenvolvimento intelectual mais raso, mais ralo, mais discreto, a ponto de criar seres que só chegarão aos lugares com um GPS, que só sabem se comunicar através de Twitter´s ou assemelhados, com uma escrita psicográfica incompreensível. E se perguntam: " Para que serve saber onde é a Grécia?"

Rui Sousa disse...

As crianças estão como nós todos, perdidas num mar de informação, com cinquenta mil vozes a zunir aos seus ouvidos aquilo que deve ser importante elas fazerem para alcançarem o chamado sucesso. O facto de ainda ser um prazer para ti dar aulas só pode querer dizer uma coisa: que eles devem gostar de te ouvir e que se o fazem é porque não te tornaste previsível nem programado. Essas são também as melhores memórias que guardo dos meus professores. E se é isso que fica, no fundo é porque é isso que verdadeiramente importa, muito mais do que a matéria dada.

Ana Bailune disse...

Sei que você achará meu comentário estranhamente um tanto machista, mas para mim, essa falta de cultura vem do fato de que as mães não ficam mais em casa cuidando de seus filhos, observando se eles fazem os deveres de casa, estudam para as provas, etc. As crianças e adolescentes de hoje são criados por babás que não se importam com eles e por computadores e aparelhos de TV. as mães não leem para os filhos, e se recebem 'convites' da escola devido ao mau comportamento ou aproveitamento dos filhos, elas: ou não vão ou vão e tentam justificar o comportamento dos filhos através de psicólogos dispostos a rotulá-los de problemáticos, esquizofrênicos, hiperativos, bipolares e com déficit de atenção. Há várias desculpas que eles inventam para uma criança sem estímulo que não gosta de estudar. E se o professor tentar discipliná-las, muitas vezes ele é demitido ou acusado de causar 'traumas' nas crianças. Acho que tudo isso se deve a falta de estrutura familiar. Sinal dos tempos.

Silvares disse...

Eduardo, vivemos um tempo confuso. Talvez tenha a ver com o desaparecimento dos mostradores circulares nos relógios. Ver números a mudar constantemente, a cada segundo, torna uma pessoa impaciente.
:-)

Rui, o trabalho do professor deve ter uma vertente em que ajude as crianças a apurar o ouvido na tentativa de compreender quais das tais 5o mil vozes lhes podem interessar. Serão apenas algumas, decerto!

Ana, o teu comentário parece-me suficientemente honesto para não merecer rótulo.
:-)
Concordo quando dizes que as crianças são entregues a si próprias em matéria de escolha dos produtos mediáticos que consomem. Isso, na maior parte dos casos, não dá grandes resultados. Podia ainda acrescentar o facto de assistirem aos programas de TV e jogarem nas consolas comendo doses enormes de guloseimas que funcionam como combustível para a tal hiperactividade.
A análise destas situações levar-nos-ia a uma extensa troca de impressões. Talvez em posts futuros.
Grato pela sua participação.
Volte sempre.
:-)

Jorge Pinheiro disse...

O trabalho dos professores continua a ser essencial. E mesmo que pareça inútil, não é. Muitos aprenderão, outros ficarão com umas luzes, alguns serão génios. Se tiverem de emigrar levam a nossa cultura. Se ficarem são o nosso povo. Ensinar é uma profissão nobre.