domingo, setembro 07, 2025

Ãoão

     Se por acaso tivesse uma pedra no bolso havia de resolver a questão com rapidez e deselegância. Uma calhoada bem assestada ali mesmo, no meiínho daquele par de cornos, e seria vê-lo a rodopiar sobre uma pata ao redor de uma perna e depois a despencar com majestade, como se fora uma saca de merda, a despencar em cheio na calçada: catrapunfas! Já foste!

    Se por acaso fosse um pouco mais moreno (teria de ser mesmo muito mais do que sou) ninguém diria que vim do Norte, todos pensariam que era do Sul que eu era. Mas não. Fui presenteado com uma pele que parece lavada com lixívia, sardas como se fosse cagado das moscas e um cabelo que não se percebe que raio de cor ele tem. Logo sou celta, nunca mouro, sou judeu, nunca cigano. Verdade, verdadinha não me sinto ser nada disso nem sinto ser aquilo que não sou. Sinto-me muito eu. É quanto basta.

    Se por acaso tivesse um animal de estimação dificilmente seria um gato e nunca, mas mesmo nunca, poderia ser a porra de uma serpente. Gosto muito de cães. Talvez até gostasse de ser um cão. Não sei, não tenho bem a certeza. Os cães são fixes.

Erupção momentânea

     Há acidentes que, por acidente, não chegam a acontecer. Desgraças semeadas que não chegam a medrar no campo das angústias. Há coisas do diabo que não chegam a sê-lo e o diabo que se lixe. Olhando o passado tão longínquo quanto me foi possível, pude apenas observar longuíssimas sombras de coisas esquecidas. E, se nada disto faz sentido, um fantasma abeirou-se do meu ser e tentou compreendê-lo. Talvez não tenha sido capaz, talvez tenha perdido o interesse. Foi-se embora. Abandonou-me sem sequer me ter lambido as mãos.