terça-feira, maio 27, 2014

Não ter medo

Eles chegaram. Os fascistas regressaram em força à ribalta da política europeia. Parece impossível mas é verdade.

Como podemos nós, europeus, ressuscitar o mais terrível monstro da nossa História comum e trazê-lo desta forma para dentro de casa? O que faz com que, num país como a França, os eleitores votem maioritariamente num partido assumidamente nazi?

Muitas vezes tenho aqui expressado o meu descontentamento com "o estado a que isto chegou" mas era incapaz de imaginar uma coisa tão abjecta.

Muitas vezes penso: será que um nazi olha para mim, por ser de esquerda, com um asco equivalente ao que sinto por ele? Imagino que o sentimento dele seja mais forte do que o meu.

Esse é o problema com esta gente; desenvolvem uma incrível capacidade para odiar aquilo que receiam ao ponto de se animalizarem. Com os nazis não há discussão nem debate: há porrada! Estaremos nós a caminhar para uma Europa onde grandes as decisões se vão decidir segundo o método nazi?

Não há que ter medo, há que estar preparado.

sexta-feira, maio 23, 2014

Vislumbre

Hoje de manhã, ao ouvir o locutor a debitar notícias na rádio, tive uma visão muito sombria. Não pelo conteúdo das notícias, nem sequer me lembro do que o gajo dizia, a sombra toldou-me o espírito quando me concentrei no tom com que o locutor debitava as palavras.

A voz era morna e bem torneada, como são sempre as vozes dos locutores, mas a forma como dizia as coisas que tinha para dizer era de uma inexpressão, de uma frieza distanciada, que me fez recordar os tempos em que, miúdo, ouvia certos colegas a ler nas aulas de Português. Sabiam ler, é certo, mas davam a sensação de não compreender nem um bocadinho o conteúdo das suas leituras. A máquina funcionava mas produzia ruído e pouco mais.

Assim fiquei; estático por momentos, sem dar atenção ao texto, focado exclusivamente no tom. Tive um vislumbre daquilo que (compreendo agora) se está a transformar a nossa sociedade Ocidental: uma coisa vazia e ôca, travestida, uma falsidade que se afirma genuína constantemente, uma beleza horrível de tão perversa (que a beleza pode ser horrível sem ferir mais do que a susceptibilidade de alguns ou apenas da maioria).

Saí do carro como um zombie. Subi a rua sem me aperceber dos passos que dei, levava a cabeça perdida no tal sítio, a cabeça perdida num lugar que é apenas uma visão.

Quando dei por mim estava encostado ao balcão da pastelaria a beber um café. Fui trazido de regresso à realidade pela voz de flauta esganiçada de uma senhora que costuma tomar o pequeno-almoço naquele lugar e fala sempre como se estivesse a discursar sem microfone num comício. Que senhora tão irritante.

terça-feira, maio 20, 2014

Admirável país novo

Continuamos a tratar os nossos alunos como animaizinhos de circo. Treinamo-los na repetição de tarefas, oferecemos-lhes um doce quando cumprem com sucesso o comando que lhes é dado e ficamos todos satisfeitos (pais, professores, ministro, técnicos especialistas, auxiliares de educação, pessoal administrativo, tios, primos, avós, padrinhos e demais encarregados de educação) quando nos momentos de maior pressão, na realização de testes de exame, a maioria dos meninos alcançam médias a rondar a fronteira da negativa. 

É um triunfo, a marca do sucesso do nosso sistema educativo. Se a coisa funcionar assim, poucos cidadãos irão ficar incomodados com o facto de que a maioria dos meninos não seja capaz de argumentar a sustentação de um ponto de vista de forma lógica e fundamentada. 

Não é que eles não tenham essa capacidade, simplesmente não são estimulados a fazê-lo porque não há tempo. Há um programa a cumprir, muitos meninos na sala, alguma confusão, muito açúcar ao pequeno-almoço, não sobra espaço para grandes conversas que não se cinjam estritamente à “matéria”, preferencialmente a “matéria” de exame. 

Eles são treinados: primeiro para copiar o que o professor escreve no quadro e decorar os textos dos manuaizinhos, depois para perceber a melhor forma de debitar tal e qual a informação retida no local correcto. 

A coisa resume-se muito a isto; trabalha-se com os meninos como se trabalha com macaquinhos acrobatas ou leões anestesiados, faz-se da escola uma arena de circo, os professores são como domadores. Um dia mais tarde os meninos serão adultos e, com alguma sorte, continuarão a ser acríticos, a torcer o nariz sempre que lhes cheira a discussão de ideias, dóceis como carneiros de cada vez que os chefes e os poderosos lhes abram os olhos e os mandem obedecer. 

É este o desígnio do nosso sistema de ensino? Assim se constrói um admirável país novo.

domingo, maio 18, 2014

Pesadelo dominical

Poderá a Democracia sobreviver a si própria? A abertura dos regimes democráticos permite a proliferação de todo o tipo de agremiações de sacanas e de filhos da puta. 

A mentira (ou "inverdade", como por vezes se diz) passa com facilidade para a opinião pública travestida de verdade inquestionável. O espaço de reflexão colectiva fervilha de propaganda e tende a menosprezar o pensamento estruturado, a frase curta é uma bomba que faz explodir em bocadinhos o pensamento especulativo. A nossa Democracia idolatra a Facilidade e teme a Dificuldade. Assim resvalamos alegremente para uma fossa repleta de merda.

A Economia ocupa todo o horizonte, nada mais parece visível aos olhos da maioria: só vemos dinheiro, sonhamos com dinheiro, desejamos dinheiro. A Solidariedade, base dos regimes democráticos, é olhada com indiferença, quando não com desdém. O mundo Ocidental contorce-se com dores difíceis de suportar num parto que promete trazer a este mundo um qualquer ser social monstruoso.

Assistimos a tudo isto com uma sensação de impotência, um torpor estupidificante, que parece impedir-nos de pensar e agir. A Política perde terreno, afunda-se em contradições e recuos impensáveis perante a Grande Finança. O que vai sair daqui?

quarta-feira, maio 14, 2014

Milagres


Ontem foi dia de comemorar milagre. Saí à rua a olhar para cima, não fosse a Virgem passar por ali e eu, distraído, a não visse. Pensei em todos aqueles milhares de peregrinos que palmilham as estradas de Portugal em direcção a Fátima, terão eles a secreta esperança de dar de caras com Nossa Senhora?

Cansado de olhar por detrás de cada nuvem à cata de uma aparição, lá me orientei por entre os prédios, o lixo, os automóveis e as pessoas com olhar de zombie, penetrando no meu quotidiano delirante com aquela segurança abstracta que define o modo de ser do citadino contemporâneo: "sou um estereotipo", pensei. "Espera, sou um estereotipo que pensa; menos mau."

É bastante frequente ter pensamentos deste tipo, pensamentos que me sossegam, como se desse palmadinhas no ombro a mim próprio: "deixa lá isso, pá, o mundo é uma merda mas tu até nem estás mal"; é assim que nos distraímos dos passos que damos e nos arriscamos a dar de trombas com um santo qualquer?

Talvez não, esta capacidade para a auto-complacência pelo contrário, deve ser coisa para afugentar as bondosas criaturas celestiais. Imagino que um gajo como eu não precise de um santinho que o salve quando se tem a si próprio. Os santos decerto encontram pessoal bem mais precisadinho das suas capacidades curativas.

Ontem foi dia de comemorar milagre mas os milagres são para quem tem a felicidade de tropeçar neles e não para quem deles anda à procura.

domingo, maio 04, 2014

Domingo

Esta gentinha que nos governa não tem classificação possível. Quando frequentei a escola de Belas Artes, nas disciplinas práticas, não havia classificações negativas. Abaixo de 10 a pauta referia apenas “não apto”. 

Assim classifico Paulo Portas, Pedro Passos Coelho e restantes sócios. Não merecem mais, eles não estão aptos para a governação, tentar classificá-los faz de nós piores pessoas pois, com facilidade, caímos no desprezo intestino e no insulto soez. 

Não quero ser como eles, quero ser diferente, eu sou diferente destas coisas, eu sou uma pessoa, tenho princípios, acredito que a vida tem um sentido e que esse sentido é fazer do nosso mundo, da nossa sociedade, um lugar melhor para as gerações que se seguem. Recuso a mentira, acredito na Palavra. Recuso a habilidade retórica, acredito nos Valores.

Se calhar não há saída para o buraco em que vivemos, se calhar a realidade é a Caverna e as sombras são a única possibilidade que temos de apreender a realidade. Se calhar as correntes que nos ferem os tornozelos são o melhor que os deuses têm para nos oferecer. Mas, se tiver de eleger um herói, eu elejo Ulisses e desafio os deuses. Os deuses que se lixem. Que se lixem os nervos dos mercados e que se lixem os cenhos franzidos dos deuses nórdicos, eu sou ibérico, vivo debaixo do sol, dificilmente aceito uma divindade que se alimente da sombra.


Esta gentinha que nos governa não imagina o que sejam divindades. São uma turba de paloncitos engravatados, inebriados pelo pivete do perfume com que tentam esconder o fedor que lhes envolve as almas. Não tenho pena deles, sei que vão arder nas chamas de infernos de 3ª categoria enquanto os demónios que os tutelam tiverem capacidade para pagar a conta do gás. Quando lhes acabar a verba vão rebentar de frio. Terão sempre aquilo que a sua soberba e a sua ignorância lhes reserva. Nem mais nem menos. 

Apesar de tudo o universo rege-se por uma espécie de justiça um tanto complicada, é certo, mas justiça.