terça-feira, dezembro 29, 2015

Fim de ano

2015 vai dando os últimos suspiros. Estes dias finais são estranhos. É como se  o calendário tivesse poderes mágicos, como se os dias obedecessem a números alinhados num papelito. Nada mais errado. São dias como os outros.

Morreram-me dois amigos nestes dias. Inesperadamente, foram-se como o vento. Desapareceram. 2015 acaba negro e frio. Para o António e para o Marcelino foi o fim da vida. O ano acaba negro e frio.

quarta-feira, dezembro 23, 2015

Carta de agradecimento

“A realidade acaba sempre por derrotar a governação ideológica”; finalmente Cavaco conseguiu produzir uma ideia com alguma substância. Como é costume, vou tentar perceber o que quer ele dizer com isto.

Parece-me evidente que Cavaco Silva pretende dizer-nos que a realidade é constituída em partes iguais por economia e finança, sistema bancário e sistema monetário. Esta fórmula da realidade esmaga qualquer tentativa de fazer com que a ideologia, seja ela qual for, possa sair da sua Caixa de Pandora e venha desorientar as opções de vida das pessoas. Cavaco explica-nos algo que ele já interiorizou há muito, muito tempo: a realidade materializa-se em números e tabelas, fórmulas de cálculo e gráficos com setinhas. Tudo o mais são contos infantis, como disse um dia Pedro Passos Coelho.

Cavaco e Passos conhecem bem a realidade. Graças a eles a economia e a finança, o sistema bancário e o orçamento de estado têm sido, no nosso país, protegidos dos ataques descabelados da ideologia, mantendo-se ancorados na firmeza do mundo verdadeiro. Graças a eles a realidade é o que todos, agora, sabemos.

“A realidade acaba sempre por derrotar a governação ideológica” pode muito bem constituir um precioso legado que Cavaco nos deixa antes de se retirar da vida política; ele que sempre desprezou os políticos e amou, apenas, os economistas, os empresários corajosos e os gestores bancários; acima destes apenas Deus, Nosso Senhor. Não esqueçamos este ensinamento luminoso vindo de um homem presciente que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava, um homem que não se importa de ser o Sr. Silva, este estadista visionário, modesto e imbuído de um abnegado espírito de missão que o levou a oferecer os melhores anos da sua vida à causa pública.

Termino esta carta agradecendo a Cavaco tudo que ele fez por nós: a boa governação, a honestidade acima de tudo, a sua extraordinária capacidade para entender a realidade, que tantos dissabores poupou ao bom povo português, que, com um fervor quase religioso, repetidamente lhe pôs nas mãos a bússola e o leme da Nação.


Obrigado Cavaco. Bom Natal. Depois podes ir-te embora de vez. Não precisas de voltar.

domingo, dezembro 20, 2015

Salvação

Anda toda a gente em busca do caminho da salvação de alguma coisa.
Uns procuram a salvação da alma, outros a salvação das suas economias, outros ainda desejam ardentemente salvar o que resta do dia que estão a viver, e assim por diante.

A ânsia de salvar qualquer coisinha faz-nos desejar que Deus esteja connosco, que Deus nos ame e nos apoie, gostamos de pensar que somos justos e que os nossos anseios sejam puros dentro dos limites que o nosso imaginário impõe à realidade.

Quando digo Deus, estou a referir-me a algo em que acreditamos sinceramente (ou nem por isso), os tais limites éticos, estéticos ou de outra natureza, com que embrulhamos a vida que oferecemos ao nosso corpo e à nossa alma.

A Fé não necessita obrigatoriamente de uma figura barbuda montada numa nuvem branquíssima, apoiada por uma legião de anjos especializados em diferentes tarefas. Deus assume as formas mais variadas.

quinta-feira, dezembro 17, 2015

Uma estranha figura

Era um gajo com a pele muito em cima dos ossos, magro, com uma cor amarelada, parecia talhado em cêra. Tinha o cabelo encrespado, puxado para trás, como se um vento maligno lhe soprasse incessantemente na testa. Os olhos muito abertos, como os de um pássaro acabado de sair do ovo, saltavam de jornal em jornal, no escaparate da tabacaria, junto ao cais de embarque.
Que estranha figura, pendurada num esqueleto alto e recurvado. Balançava o corpo perigosamente, podia desabar a qualquer momento. Que estranha figura!

sexta-feira, dezembro 11, 2015

Dia sem princípio (nem fim)

Há dias assim, dias em que estar acordado parece resultar no prolongamento do sono, na materialização do pesadelo (que até começara por ser um sonho com muitos tons de rosa), pesadelo que agora se interrompe. Olá, bom dia.

O café parece não ser mais que um vago sabor no confins do céu da boca, o jornal um dejà vu, os passos na escadaria em direcção à rua ecoam na memória, as frases que crescem na ponta dos dedos são pomposas e não aguentam uma questão que as ponha em causa. Mesmo que seja uma questão de merda, tipo: que merda é esta?

Há dias assim, dias que parecem nunca mais começar, dias em que as coisas são chatas porque não há volta a dar-lhes, dias que, caso cheguem ao fim, será lá mais para o fim-do-mundo.

terça-feira, dezembro 08, 2015

Sonho de uma manhã de Inverno

Por vezes penso: "sonham as coisas mortas?"; se algumas das vivas sonham com a morte, será que as mortas sonham com a vida? Uma pedra que gostasse de ser corvo ou um um grão de areia que desejasse tanto vir a ser presidente da república que havia de se transformar em montanha.

Lembro-me bem de ficar a olhar muito, muito tempo, a fitar calhaus que pareciam outras coisas, coisas escondidas dentro da rigidez da pedra, mas que nunca se revelavam completamente. Se eram coisas mais verdadeiras que a minha imaginação, então eram mais espertas que os meus olhos e guardavam-se, quietas, lá no fundo daquilo que realmente eram. Nunca as cheguei a ver, só as imaginei.

Nos dias que correm encontro, de vez em quando, seres fantásticos, saídos nem sei bem de onde. Aparecem assim, vindos do nada; são visitas que não gostam de chá nem têm tempo para se sentarem à conversa. Serão estes seres desconcertantes aqueles que se escondiam no dorso e no fundo dos calhaus da minha infância? Seres que voavam nas alturas dos pinheiros com o sol a doirar-lhes as formas indistintas?

O que interessa isso? Que interesse pode ter quem eles são? Gosto de pensar que são os sonhos das coisa mortas que ganharam vida. E gosto de pensar que sou eu quem lhes dá essa vida que ganharam, eu, pequeno deus, feito homem na minha imaginação.

quarta-feira, dezembro 02, 2015

O meu problema com a direita

O meu problema com a direita tem diversas fontes de alimentação. Por exemplo, causa-me problemas a postura dos defensores da troika Passos-Portas-Cavaco quando confrontados com o governo de Costa. Passada a lamentação patética da suposta ilegitimidade do novo governo, o discurso dos simpatizantes da PàF alerta-nos para uma putativa incapacidade da esquerda para governar o país. Num tom que oscila entre o alarmista e o jocoso, sugerem que, com Costa ao leme, a Nau Catrineta que é a nação portuguesa irá encalhar e naufragar, levada nas vagas alterosas do mar da TINA (ou o NHA- Não Há Alternativa, como designou João Miguel Tavares o mundo impiedoso em que vivemos). 

Para que este alerta pudesse ter alguma validade seria necessário que o governo da troika Passos-Portas-Cavaco fosse minimamente sério ou minimamente competente. 

À medida que os dias vão passando e a troika Passos-Portas-Cavaco vai perdendo o pulso sobre as notícias que chegam até nós, percebemos que o seu governo não era uma coisa nem outra. Percebemos como esse governo se assemelhava mais a coisa nenhuma, que foi uma treta; que não há IVA para devolver, que o desemprego afinal não definha, que a economia abranda… despida de propaganda a troika Passos-Portas-Cavaco revela-se escanzelada, feia e repulsiva, até para alguns dos direitistas mais encartados.

O meu problema com a direita é também alimentado pela constatação de que a troika Passos-Portas-Cavaco mais não foi (mais não é) que um instrumento para eternizar as desigualdades sociais, contribuindo mesmo para a sua agudização. Veja-se a forma como as desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres se vêm acentuando nestes tempos de crise, como se nacionalizaram os prejuízos e se privatizaram os lucros das empresas públicas. Eu sei que este processo vampírico tem tido a colaboração do Partido Socialista. É precisamente por isso que a solução governativa agora encontrada traz consigo a esperança de que as coisas sofram uma inversão acentuada. Com o Bloco e o PC à perna, o PS terá de se comportar como o partido de esquerda que afirma ser e não como o partido de direita que tem sido, limitando o apetite dos seus clientes quando se aproximam da gamela do poder e açaimando as feras mais gulosas.


O meu problema com a direita tem também a ver com a mania de que acreditar na Utopia é o mesmo que acreditar num conto de crianças. Erro. A Utopia é um conto para adultos, da autoria de Thomas More que, tal como o Capuchinho Vermelho alerta as meninas para os perigos da pedofilia, nos alerta, a nós “cidadões”, para os perigos da desigualdade na divisão da riqueza. 

Finalmente, o meu problema com a direita da troika Passos-Portas-Cavaco é ela ser tão sobranceira, rasteira e ignorante, que só é capaz de pensar em economia e, ainda por cima, erradamente.