terça-feira, abril 28, 2015

That's economics, stupid!

A imagem de uma horda de maltrapilhos armados até aos dentes com equipamento bélico topo de gama é coisa comum nos meios de comunicação social. Como lhes vão parar às mãos todas aquelas metralhadoras, pentes de balas, rockets e lança-rockets?

Onde conseguem estes gajos abastecer-se de munições e ter sempre disponível a opção de atirar e matar, atirar e matar, atirar e matar?

A comida esgota-se nos campos de refugiados, a água escasseia, o dinheiro nunca chega para satisfazer as necessidades básicas das populações deslocadas. Os países amigos envidam os mais esforçados esforços no sentido de reunir recursos capazes de garantir a sobrevivência de milhares, de milhões de inocentes que fogem da guerra em busca de refúgio.

Quem financia as armas? Quem financia a comida e a água? Haverá dinheiro ganho a vender armas aplicado na compra de mantimentos para os refugiados que sobreviveram aos tiros por elas disparados? E o contrário, será possível o dinheiro da água servir para comprar gás pimenta?

É bem possível, afinal de contas vivemos num mundo global e isto é o capitalismo. Não sejamos estúpidos!

sexta-feira, abril 24, 2015

Nuvens de tempestade

Andamos para aqui a derramar lágrimas de crocodilo nas águas do Nosso Mar, o Mediterrâneo. Choramos a morte de emigrantes que vêm fugidos da morte e, só quando morrem, se apercebem que a morte é certa e que, nas águas do Nosso Mar, é uma fatalidade.

De que fogem estas pessoas? Que sonhos trazem incrustados no imaginário? Para onde pensam que vêm? 3 perguntas com uma resposta e duas incógnitas.

Do que fogem estes migrantes (como agora são designados) toda a gente sabe mais ou menos, basta conhecer o seu ponto de origem. Uns fogem da guerra, outros da fome, outros da miséria, fogem da repressão ou de inimigos ancestrais. Fogem em direcção ao Mediterrâneo, África ou Próximo Oriente para trás das costas, Europa na ponta do nariz.

O que me intriga é o que imaginam eles que irão encontrar caso consigam alcançar as costas europeias?

O que me intriga é que lugar imaginam os migrantes que é a Europa? Qual o seu aspecto? Como imaginam eles os europeus?

Seja como for aí estão! Fogem das guerras e vêm cair nas mãos dos que lhes vendem as armas para se matarem uns aos outros... a poesia deste mundo continua a escapar-me.




domingo, abril 19, 2015

Abril em Portugal

Aproxima-se a data da Revolução. Falta à volta de uma semana para que passem 41 anos sobre o "tal" dia.

Os saudosistas de esquerda vão falar da alegria imensa, do céu azul, da gaivota mais aborrecida de que há memória (aquela que voava, voava), da luta contra a opressão, dos direitos dos trabalhadores, da coragem das mulheres e dos homens que resistiram à (puta da) ditadura, dos campos do Alentejo e da reforma agrária, dos operários em luta, dos sindicatos, das bandeiras vermelhas, dos cravos (vão encher a boca de cravos vermelhos) e vão cantar a Grândola, Vila Morena (choro sempre nessa parte e lembro o Zeca com muito carinho, não sei porquê, sinceramente não compreendo esta parte de mim). No fim vamos todos beber uns copázios valentes (que eu sou destes, não sou dos outros) e, por uma vez, não iremos zurzir na gentalha que agora nos governa, nem engendrar planos mais ou menos malévolos para distibuir pelo povo o que é do povo. Estamos felizes e o coração aveludado não está para venenos.

Os saudosistas de direita vão escarrar sobre os cravos, vão lembrar: "Angola é nossa!", esticar os braços direitos como se estivessem a mostrar as unhas ao mestre-escola (escondendo a do polegar... o que fazem eles com o polegar para o esconder desta forma?), talvez berrem o hino nacional, vão ao barbeiro rapar o cabelo e vão tatuar cruzes suásticas sobre o peito que o nacionalismo é muito lindo mas o internacionalismo é muito mais lindo. Há outra estirpe de gente de direita, gente educada e bem cheirosa, que vai lamentar a perda de valores, a falta de reconhecimento que os pobrezinhos mostram a quem lhes quer tão bem, as praias do Algarve cheias de gentinha mixuruca, o facto de os ricos serem cada vez mais ricos mas agora toda a gente saber e muitos não gostarem deles principalmente quando são os tais pobres, agora cada vez mais pobres, vão lembrar: "Angola é nossa!", enfim, a gente educada de direita tem tanta coisa para lembrar!

Eu era uma criança naquele tempo. Agora sou um cinquentão. Lembro-me que o 25 de Abril me comovia ao ponto de sentir o coração explodir de alegria. Com o passar do tempo a explosão foi perdendo potência e, agora, parece mais um estalinho do que bombinha de carnaval. Se nã o fosse a Grândola nem uma lágrima vertia.

Viva o 25 de Abril! 25 de Abril, sempre! Fascismo, nunca mais!!!


sexta-feira, abril 17, 2015

Hélder e Helder

Quem não cria arte facilmente mete o pezinho na poça manhosa do mito romântico do artista. O ser arrebatado, vestido de negro, vivendo no alto de uma torre de marfim rodeada por um fosso repleto de crocodilos metafísicos; um ser soturno, constantemente atormentado por grandiosas visões nas quais o mundo lhe é revelado tal qual ele é (insuportável visão para o mortal comum que o génio se vê obrigado a carregar qual besta albardada calcorreando os caminhos da eternidade); artista tristonho, cara fechada, cara pálida, lilases e brilhantes olheiras, a carne prestes a ser rasgada por ossos pontiagudos: assim é um artista que merece ser admirado! 

É este ser misterioso e pouco dado ao calor do contacto humano, este ser habitante das longas sombras que a solidão projecta sobre a aridez do mundo, este ser de nevoeiro feito, este monstro da sensibilidade inteligente, este génio inalcançável, que olhamos com uma expressão de contido espanto, é uma coisa mais ou menos com esta forma de assim que nos habituamos a imaginar ser “o” artista.

Um artista será tudo e isso e, precisamente, o oposto absoluto ou, mais concretamente, uma incerta mistura de ambos e mais um ou outro que não consigo agora imaginar como seja. Resumindo: um artista é uma pessoa tão vulgar como as outras e tão invulgar como as demais. É abusivo pretender que o artista se confunda com a sua obra e vice-versa. Pode acontecer mas não é uma constante obrigatória. Já os conheci chatos como o caraças com obras espantosas e excitantes; extremamente interessantes, de verbo fácil e conhecimento vasto com obras mais enfadonhas que a biqueira de um sapato; convencidos, arrebatados, modestos, altos, baixos, magros, de todos os sexos, alguns nem uma coisa nem outra, nem um pouco mais ou menos. As suas obras, por vezes a carinha chapada do autor, outras vezes surpresas absolutas (Nunca imaginaria que eras capaz de fazer uma cena como essa!).


Tal e qual os meus amigos que trabalham nas mais variadas profissões, que vivem as mais diferentes vidas. Uns sofrem, outros são felizes e estas condições são flutuantes. Nem todas as pessoas extraordinárias são artistas, nem todos os artistas são pessoas extraordinárias. Lá no fundo todos somos pessoas. É só isso. 

quarta-feira, abril 15, 2015

Raios de sol

São, um pouco, como os caracóis. Com o sol a afirmar-se e o calor a chegar, doces vagas de turistas inundam a cidade. Alguns vêm meio vestidos, vêm meio despidos, outros apresentam-se estranhos, simplesmente estranhos.

Custa a crer que aquela mulher use todos os dias aquela flor espetada numa espécie de torre de cabelo que equilibra no cimo da cabeça com um gesto ligeiramente oblíquo, ou que aquele homem use os shorts tão apertados quando vai trabalhar e a camisa sem mangas a descobrir uns ombros ossudos e pálidos. Aquelas coisas só podem ser incómodas. Passam divertidos, conscientes das suas máscaras. Levam-me o olhar, deixam em mim um sorriso.

Os turistas provocam-me um inveja doce, uma nostalgiazinha de trazer por casa. Parecem tão livres de constrangimentos, tão capazes de ligeiras infracções, tão leves, tão bem dispostos...

segunda-feira, abril 13, 2015

No metro

"Uma ajudinha, por favor, uma ajudinha, por favor",

Coloquei duas moedas pequenas na caixa de esmolas da ceguinha (uma cega que não tem globos oculares, apenas uma face de carne lisa). O ângulo do meu braço era estranho em relação à ranhura e, instintivamente, segurei o fundo da caixa com a outra mão, de modo a compensar os balanços da carruagem de metro.

De imediato senti os dedos da cega a cravarem-se-me na mão. Larguei as moedas em menos que nada mas a mulher só afrouxou o gesto quando soltei a caixa e então ela avançou: "uma ajudinha, por favor, uma ajudinha, por favor", repetia a lenga-lenga com voz frágil, uma súplica nada condizente com a forma quase selvagem como protegera o seu pequeno cofre, contentor de duvidoso tesouro; "uma ajudinha, por favor, uma ajudinha, por favor", sussurrado lamento.

Compreendi como fora incauto o meu gesto reflexo de segurar a caixa, como despertei o instinto de defesa na mulher que, sendo cega, não podia avaliar a minha linguagem corporal. Compreendi que numa selva sem luz as sensações tácteis ou auditivas ou olfactivas ganham dimensões que eu nem sequer suspeito.

Aquela mulher vive num mundo bem mais selvagem do que aquele que eu habito. E ela está atenta, ela defende-se, o mundo todo será potencial ameaça. Ela defende-se como qualquer animal se defende dos animais que desconhece.

domingo, abril 12, 2015

Leituras

"Palácio da Lua", "Nocturno Chileno", "A Balada de Adam Henry". Raras vezes tive oportunidade de ler em sequência 3 autores que tanto admiro (se bem que, na minha escala de grandezas, Paul Auster não chegue aos calcanhares de McEwan e muito menos às plantas dos pés de Bolaño).

Raras vezes, disse? Nunca, que me lembre, tinha acontecido tal alinhamento na minha mesinha de cabeceira. É como se os planetas ajustassem vontades de acordo com a satisfação da felicidade de um indivíduo em particular. Eu.

Como se os planetas tivessem vontades...

Auster é um mestre, Bolaño um supraterrestre e Mc Ewan é outra coisa qualquer. A literatura ainda tem muito para nos oferecer. A literatura oferece-nos a possibilidade de salvação da alma. Veja-se a Bíblia, veja-se o Corão, a Torah.

Se aqueles que dedicam a vida a ler um único livro fossem capazes de variar a sua leitura o mundo estaria salvo, o Paraíso à distância de um passo de anão.

sexta-feira, abril 10, 2015

Idades

Não sei se acontece contigo, afectuoso leitor, talvez também te aconteça sentires-te estranho uma vez por outra. Talvez te aconteça sentir que és olhado com um misto de desdém e piedade por alguém que tu olhas com desdém e piedade. Seja como for, há ocasiões em que percebes que a imagem que estás a exportar não produz o efeito que desejarias ou, pelo menos, o efeito que esperavas produzir.

Da parte que me toca apercebo-me que à medida que aumenta em mim essa incómoda sensação desenvolvo também a capacidade de ignorar os sinais que os outros me enviam: "És maluco?"; "És estranho."; "És esquisito.", sinto-me como me sentia quando era um adolescente incompreendido pelo mundo. Oh, como é cruel o mundo!

Ah, paciente leitor, amigo leitor, agora já não fico desesperado com a crueldade alheia, com a crueldade do mundo, agora fico pior. Muito pior. Agora fico condescendente.

A insegurança da adolescência provocava em mim indignação; a segurança que me dá a idade adulta provoca em mim soberba condescendente. Sinceramente, leitor, não sei qual prefira.

Ser frágil ou ser forte? O que nos poderá valer, leitor adorado, é estarmos seguros de que há sempre outras opções embora nos queiram convencer que as coisas são a preto e branco. Ambos sabemos que isso é treta e que as opções não se limitam à sanidade ou à loucura.

quarta-feira, abril 08, 2015

Raiva

Raiva! Hoje tem sido um dia daqueles... penso que tenham sido as nuvens que me puseram assim. Tão cinzentas, escuras e pesadas, têm estado as nuvens todo o dia. A darem a impressão que o céu é um tecto e a cidade uma barraquita miserável que mal nos consegue proteger do mundo.

Raiva! Não sendo o céu a provocar em mim este sentimento tão pouco católico talvez tenham sido as pessoas. Hoje vi tanta gente que me pareceu excessiva, boçal, bruta e indiferente à boçalidade e à brutalidade. Posso ter sido eu (excessivo, bruto e boçal na minha observação) mas será impossível ter a certeza.

Seja como for: raiva! É um aperto no coração que mo leva para junto das tripas, um formigueiro na ponta dos dedos, uma leve náusea que me agita como uma brisa agita os juncos na beira do rio.

Suspiro. Raiva!

terça-feira, abril 07, 2015

Eternidade

O calendário tem uma série de datas festivas, a cada dia corresponde sempre qualquer coisa mais ou menos transcendente. Hoje comemora-se a invenção do chouriço, amanhã a descoberta das Ilhas Mijonas, a seguir o nascimento do borrego papalvo. A coisa não pára.

A Páscoa é uma daquelas festas que me levam sempre a viajar para Norte, em direcção ao lugar onde nasci. Uma vez lá chegado há uma série de tarefas a cumprir, rituais a observar. Ano após ano a coisa repete-se. Repete!?

As pessoas estão todas um ano mais velhas, a santa no altar também mas, no caso dela (por ser santa?) não se nota tanto como nos seres de carne e osso. Nos últimos anos o padre que faz a visita é sempre diferente. Pode ser novo ou velho, não há uma lógica aparente na dança do padre que vem benzer a casa.

As coisas mudam todos os anos com a finalidade de se manterem sempre iguais. E funciona quase na perfeição. Imagino que seja assim que se constrói a eternidade ou lá como se chama essa merda.

segunda-feira, abril 06, 2015

Imparcialidade

Não acredito que alguém seja absolutamente bom ou absolutamente mau. Acredito que haja, apenas, quem seja indiferente ao despeito de outros. Os que não se exaltam nem se excitam em demasia, que agem cerebralmente e conseguem, na frieza do raciocínio, manter uma posição, afirmar um ponto de vista; os que pensam sempre na vitória.

Estes sabem bem que, no fim de contas, após a luta e a discussão, a finalidade da vida consiste em entreter a morte. Sabem também que, quando a luta se revela difícil, a morte espera.