quinta-feira, outubro 30, 2014

Paranóia ou nem por isso?


É impressão minha ou a paranóia descabelada provocada pelo Ébola nos países ocidentais está a diminuir?

Em muitos países de África sim, a situação é terrível. Já morreram milhares de pessoas. Deste lado do Mar Mediterrânico a contagem de casos ainda não ultrapassou a casa das unidades mas, no entanto, não fomos poupados a alertas desesperados avisando-nos sobre a proximidade do Apocalipse.

De onde vem este desejo masoquista de que um dia (esse dia virá!?) uma epidemia devastadora caia sobre nós e deixe a nossa sociedade  num estado tipo Walkingdead? Será isto resultado de um sentimento de remorso, um recalcamento católico que nos faz olhar ao espelho e ver uma sociedade merecedora de um novo Dilúvio ou coisa ainda pior?

Há certas personagens que nestas ocasiões vêm para os écrãs de TV fazer cara de cú, franzir a sobrancelha e explicar à populaça que eles bem tinham avisado; que a grande epidemia da nossa geração é esta (agora é que é!!!), que estamos lixados e o melhor é ir encomendando a alminha ao Criador.

Parece que esses caras-de-cú se enganaram (mais uma vez) e que, oh céus!, ainda não é desta que vamos andar a enterrar as nossas famílias em valas-comuns.

O risco de infecção existe, não haja dúvidas quanto a isso. Ninguém está livre do Ébola do mesmo modo que ninguém está livre do HIV ou do Influenza.

Resumindo: não fiques desatento, caro leitor, se pisares cócó na rua tem cuidado ao limpar a sola do sapato, o cócó pode estar cheio de vírus Ébola! O mesmo com chichi ou escarretas. Não mexas em escarretas de desconhecidos, nem em poças de vomitado por identificar. Tem cuidado leitor amigo. Já são poucos os que visitam Blogues, não queremos que o Ébola te leve.

quarta-feira, outubro 29, 2014

Dúvida existencial

Ir acordando todos os dias num lugar pacífico onde as regras vão sendo cumpridas com maior ou menor esforço desde que o sol brilhe lá no lugar dele.

Tomar banho de água quente, beber café com açúcar, ter a sorte de sair à rua de cabeça erguida sem precisar de procurar atiradores furtivos ou outras coisas explosivas que caiam do céu... será isto o Paraíso?

A mulher atarracada que sorri e dá os bons dias, o homenzinho gorducho que conta histórias insalubres por detrás do balcão e serve cafés, a rapariga elegante que passa como se os pés não tocassem o chão... serão anjos?

Estarei vivo ou serei apenas um fantasma? Fantasma no Paraíso.


terça-feira, outubro 28, 2014

Reflexão matinal

A missão do poeta grego na era clássica seria a de educar os homens livres. A ser assim haveria uma perspectiva utilitária da obra de arte? A arte com uma função didáctica ao serviço de um regime político e de uma ideologia? A democracia grega foi entretecida com a religião e com o mito numa estranha síntese que, depois de tantos séculos, está no estado que nós sabemos.

A democracia nasceu em Atenas, cidade orgulhosa da liberdade dos seus cidadãos. Cidadãos que, na sua esmagadora maioria, se não na totalidade, possuíam escravos.

Diz o povo que "o que torto nasce, tarde ou nunca se endireita". Talvez a democracia não dispense o trabalho escravo. Talvez o fundamento da liberdade de uns seja a prisão de outros.

Disse Proudhon que "toda a propriedade é um roubo". Haverá quem possa dizer que "toda a liberdade é uma prisão"?

Isto está complicado, já me perdi. O melhor é ficar por aqui e ir comer um  pão com uma fatia de queijo e uma pequena chávena de café.

domingo, outubro 26, 2014

Ser Humano

Os passarinhos sáo, sob um certo ponto de vista, uma coisa horrível. Não falo daqueles passarinhos azulinhos que auxiliam a Gata Borralheira a fazer o seu vestidinho para o baile do príncipe. Falo dos passarinhos reais que cagam sobre o meu carro e piam desalmadamente quando os primeiros raios de luz invadem a paisagem e um gajo tenta adormecer, apesar de tudo.

A Natureza é assim: brutal e desapaixonada, obedecendo a regras desumanas pois os humanos são, apenas, uma das espécies que habitam o planeta.As nossas regras não valem nada, nem para nós nem para os restantes filhos de Deus.

Quem diz os passarinhos diz os cães, diz os gatos, os bodes e os leões. Todo o bicho tem pele, tem barriga e aparelho digestivo. O lugar que cada um de nós ocupa neste mundo é construído apesar e contra uma série de coisas bonitas e uma série de coisas feias.

Hoje é Domingo. Sinto-me em estado catatónico após ter comido (comi coisas vegetais e coisas animais) e bebido mais do que um copo de vinho. Há em mim uma espécie de vertigem que me desapaixona e me faz amargo e cínico. É a vertigem de Ser Humano.

quinta-feira, outubro 23, 2014

Monumento e bibelot

São dois livros muito diferentes: As Benevolentes de Jonathan Littell e o Francoatirador Paciente de Arturo Pérez-Reverte dificilmente podem ser comparados; não nos sentimos impelidos a comparar a Sagrada Família com a estatueta de um menino a fazer chichi que a tia velhota tem na mesinha lá da sala onde tomamos chá quando vamos de visita.

As Benevolentes intimidam o leitor lá do alto das suas 896 páginas. Ao olhar o volume, que na edição portuguesa tem na capa vermelha uma reprodução de uma tela de Lucio Fontana, um gajo menos corajoso fica logo a pensar em coisas como: "que tijolo!" ou "ler isto é como ter um emprego". Mas não é pela escala do discurso, nas suas páginas de texto denso e compacto, que este livro pode ser considerado um monumento.

Do mesmo modo O Francoatirador Paciente, livrinho de 240 páginas bem polvilhadas por animados diálogos que lhe aligeiram o peso global, não poderá ser por isso considerado um bibelot poisado num naperon rendilhado. Até porque o tema de Pérez-Reverte é muito interessante e actual e a essência da sua história transporta uma certa mistura de melancolia e raiva, mistura, a meu ver, bem espanhola.

Não será por As Benevolentes me terem transportado para lá das fronteiras da imagem que eu tinha do Ser Humano e por O Francoatirador me ter parecido redondinho e rechonchudo no final da leitura. Não. Não é por nenhuma destas razões que um livro me parece um monumento e outro me sugere um bibelot.

A sensação que tenho é que Littell escreveu o seu tijolo exactamente da forma que tinha de fazê-lo. Aquilo é uma coisa em se acredita e é aí que reside o sublime desconforto de o ler. Já Pérez-Reverte dá a sensação de estar a escrever a sua renda de casa, o jantar com a família e a viagem de férias. O livro é bem escrito mas falta-lhe qualquer coisinha para descolar a sensação de estarmos a ler uma obrigação editorial.

Seja como for não dou por mal empregue nem um dos minutos que levei a ler um e outro destes livros. Não me interpretes mal, gentil leitor. Tanto me sinto maravilhado quando entro no espaço infinito da Sagrada Família como quando descanso o olhar no bibelot do menino que mija entre um gole e outro e mais um sorriso da minha querida tia, que é muito velhota mas gosta sempre de me ver.


terça-feira, outubro 21, 2014

Falar com as paredes

O mundo está repleto de sinais, o mundo comunica com cada um de nós de uma forma muito particular. A cena é sermos capazes de ler esses sinais e compreender o que o mundo nos quer dizer.

São pequenos sinais, mensagens mais ou menos subtis, normalmente repetições que é a forma mais evidente de nos apercebermos que o mundo está bem e disposto a contar-nos uma anedota.

Quando está zangado o mundo atira-se a nós sem aviso.

Para comunicar com o mundo precisamos apenas de acreditar... e estar atentos.

quarta-feira, outubro 15, 2014

Rei-coisa

Há um mar inteiro dentro da minha cabeça. Um mar onde se afogam as ideias e os desejos tentam aprender a nadar. Cardumes de coisinhas sem nome movem-se daqui para ali fugindo dos raios de luz, essa luz que penetra a fundura. São raios atirados à água, raios como farpas que perdem fulgor à medida que desistem de iluminar este mundo submerso, mundo sombrio, palácio de um rei monstruoso, forma negra, estática, que por mim espera lá no fundo do abismo. Um dia irei conhecê-lo. Por agora sinto-o mas não o vejo. É o rei-coisa, imperador deste mundo inexistente.

segunda-feira, outubro 13, 2014

Vida em diferido

Estou em Almada. Sento-me no café para beber um café. Na TV imagens de uma cidade de Lisboa alagada. Ruas que parecem mais o Tejo que o próprio Tejo. Automóveis submersos na Rua das Pretas, um deles com o condutor de gatas sobre o tejadilho.

Tampas de esgoto que saltaram permitindo fontes violentas de água que jorra alegremente num espectáculo surpreendente. Tudo isto aconteceu em Lisboa. Hoje.

Hoje fui a Lisboa. Para lá fui de barco, fui de metro. Como de costume viajei debaixo das ruas.De metro regressei ao cais, depois o barco. Balanço bom, chuvinha caindo, quase simpática. Nada daquilo que a TV mostra.

Tem acontecido isto. Já aconteceu, pelo menos, uma outra vez. Lisboa alaga-se, deixa-se enganar pelas águas que o céu lhe atira para cima com toda a força, eu vou a Lisboa e não vejo nada disto. Nadinha de nada. Vejo as cheias e as enxurradas na TV, em diferido.

É uma sensação estranha. Como se, para mim, houvesse apenas normalidade mesmo quando passo perto do acontecimento extraordinário. Como se, para mim, a vida fosse uma rotina segurinha, sempre longe das coisas espantosas que acabo por ver, apenas, em diferido, na TV.

sexta-feira, outubro 10, 2014

Socorro!!!

Socorro! Ai Jesus! Valha-nos Deus! Valha-nos Nossa Senhora! Chamem o exército, tragam os cães, fechem as portas e levantem muros. Socorro que vem aí o Ébola!

Começou a campanha de desinformação e exploração do medo. Haverá por aí alguém interessado em explorar a ingenuidade alheia?

A ignorância é importante e há quem trabalhe arduamente no sentido de a manter forte e actuante. Um ignorante está mais desprotegido perante o temido novo flagelo divino.

Quem pretende lucrar com esta nova paranóia colectiva? Ainda não percebi mas decerto irá surgir em breve algum negócio chorudo associado ao novo medo da década.

Cuidado, vem aí o vírus do Ébola!!!

quarta-feira, outubro 08, 2014

Espírito tuga

três destes gajos já voltaram para a sombra mas a maioria mantem-se no poder

Tenho alguma dificuldade em compreender o modo de pensar da maioria dos portugueses que ainda se dignam ir votar quando são chamados a participar em eleições. Ontem ao fim da tarde, quando fui, como é meu hábito, à tasca da esquina beber uma imperial e passar os olhos pelo jornal desportivo tive uma desconcertante conversa com um cliente meu conhecido e a senhora, do outro lado do balcão.

Foi o meu amigo quem puxou o tema de conversa: que o ministro da educação é um incompetente, a senhora sabia que eu sou professor e juntou mais uma ou outra acha para a fogueira que acendi alegremente e com alguma fúria à mistura.

Quem me conhece sabe que fervo em pouca água e que sou capaz de arrancar num discurso inflamado com uma velocidade estonteante, não preciso de ganhar embalagem. Deram-me os meios para fazer um pequeno comício anti-governo e não enjeitei a oportunidade, falando para quem quisesse ouvir.

Toda a gente concordou que estes governantes são péssimos, que o trabalho por eles desenvolvido cheira a vigarice, que a sua preocupação com o povo português soa a conversa fiada. Ainda assim, alguém trouxe a questão da eventual substituição do actual primeiro ministro e restante associação de malfeitores por outra gente. Foi aqui que voltei a deparar com o povo que somos.
Estava esquecido.

Embora todos estivéssemos de acordo quanto à falta de qualidade destes gajos, as dúvidas surgiram: mas, se eles saírem, quem colocamos lá? A vontade de mudar depressa se transformou em receio e conformismo.

A crítica desapareceu tão depressa quanto havia surgido. Confrontada com a responsabilidade de escolher uma alternativa toda a minha companhia preferiu encontrar razões para não mudar nada e manter a merda em que vivemos tal qual ela está. Ah, este bom e velho espírito tuga!

Fiz notar que a porcaria de governo que temos não surgiu por obra e graça do Espírito Santo (ou terá surgido?), que fomos nós, o povo, quem escolheu a malandragem que nos governa; a responsabilidade é nossa.

Tentei argumentar a favor da possibilidade de deitar tudo fora e começar de novo: se isto, assim, não funciona, é tempo de experimentar algo completamente diferente.

Nada a fazer, todos os presentes falaram para dentro, abanaram as cabeças e balbuciaram qualquer coisa acerca de com este governo, ao menos, já sabermos o que nos espera. Inacreditável! Inacreditável? Nããããããooo, qual é a surpresa!? Isto é portugal.

Saímos dali exactamente da mesma forma que havíamos entrado: com o rabo entre as penas e a nossa condição animal pura e intocada.