quarta-feira, janeiro 30, 2013

Morrer aos bocadinhos

A notícia é triste: Fecho de salas da Castello-Lopes deixa Açores, distrito de Viana e cinco cidades sem cinema. Além de significar mais umas dezenas de pessoas no desemprego representa uma espécie de regresso ao passado ou mais atrás ainda que o passado.

Desde que me lembro sempre houve uma sala de cinema perto de mim. Pelo menos uma, como era o caso do velhinho Cine Rossio que preencheu o meu imaginário ao longo da mais tenra infância e adolescência, quando vivia na cidade de Viseu. Depois (não sei bem quando) surgiu o Cineclube de Viseu que funcionava em salas mais ou menos improvisadas, com condições de projecção um tanto manhosas mas que passava filmes magníficos (foi numa dessas sessões, sentado numa vulgar cadeira de sala de jantar que vi, pela primeira vez, Andrei Rubliov, talvez o filme da minha vida).

É evidente que o mundo mudou, o acesso a filmes tornou-se algo banal. Primeiro com as cassetes de VHS, depois com os DVD e agora com a imensidão do mundo virtual online a relação dos indivíduos com a 7ª arte transformou-se; democratizou-se mas também perdeu qualidade.

Toda a gente sabe que não há nada como ver um filme numa sala de cinema. Vê-lo em casa, sentado no sofá ou deitado na cama com um laptop nos joelhos não tem comparação. É como ver uma pintura de Ingres ao vivo ou numa reprodução fotográfica, na melhor das hipóteses ficamos com uma vaga ideia sobre a qualidade do objecto.

O fecho de uma sala de cinema é sempre triste. É como ver o mundo a morrer aos bocadinhos. Já agora penso que seria de criar uma situação de excepção nestas zonas, cinematográficamente empobrecidas. Enquanto não houver possibilidade de a população ter, de novo, acesso a salas de cinema, ao menos que se permita a pirataria e o download ilegal seja legalizado. É o mínimo que se pode fazer pelos cidadãos.

domingo, janeiro 27, 2013

Porquê?

Enquanto assistia a "Django Libertado", o mais recente filme de Mr. Tarantino, ia perguntando a mim próprio: "Porquê?" Qual a razão do falatório, da polémica, da discussão? O que tem este filme que outros de Tarantino não tiveram? Estão lá o sangue aos baldes, a violência súbita e desconcertante, as personagens carismáticas, os diálogos geniais, as citações ao cinema que Tarantino gosta de citar. Nem mais nem menos, exactamente assim, e, no entanto...

Talvez a polémica seja uma jogada de marketing. Deve ser isso. Sempre que um filme vem rotulado como polémico há mais espectadores interessados em ver... deve ser isso.

"Django Libertado" é um filme bastante razoável mas não chega aos calcanhares de "Sacanas sem Lei". É um filme que se vê com agrado e tem uma das melhores cenas que vi nos últimos tempos (a discussão entre os membros de um bando do Ku Klux Klan sobre as deficiências no fabrico dos capuzes com que cobrem as cabeças).

Fez-me recordar os western spaghetti, mostrou mais uma vez a mestria de Tarantino na encenação e trabalho de câmara... um bom filme, pronto, é bom, não apenas razoável como disse lá mais para trás mas não é uma obra-prima. Digo eu mas... quem sou eu para o dizer?

quinta-feira, janeiro 24, 2013

Opinião nublada

Aqui há dias fui, finalmente, ver "Cloud Atlas" a uma sala de cinema perto de casa. Fui com um pé atrás devido a críticas pouco elogiosas ou, no mínimo, críticas pouco entusiásticas. Não sei bem, parecia-me haver algum frio em volta do filme, uma ligeira sensação de desconforto.

Na sala, durante o visionamento, posso dizer que as baixas temperaturas que eu receava não se confirmaram, antes pelo contrário. É um filme visualmente muito interessante e com um ritmo narrativo estranho mas envolvente.

A caracterização das personagens tem apontamentos muito interessantes (no final é aconselhável ficar na sala para ver a apresentação de todas as personagens e respectivos intérpretes) e o constante cruzamento de tempos diferentes não chega a desconcertar. No final tudo se concretiza com razoável sentido.

Resumindo: um filme a ver com olhos limpos e sem preconceitos. Penso que a experiência valerá a pena.

A terminar, uma curiosidade: na China o filme está a ser exibido com cortes significativos (40 minutos menos). Ao que parece, certas cenas de cariz mais sexual (o filme é, nesse aspecto, bastante pueril!) foram retiradas por ordem dos censores do Império do Meio (ver aqui).

quarta-feira, janeiro 23, 2013

Reunião

Imagino uma reunião magna num aprazível castelo em ruínas, algures na Transilvânia. Os participantes têm séculos de existência (não de vida) e possuem uma sabedoria milenar que escapa à compreensão dos comuns mortais. Em cada compartimento um caixão forrado a veludo vermelho.

Estes senadores do Planeta Terra mostram visíveis sinais de cansaço; já viram tudo, viveram tudo, sabem tudo. Toda esta sapiência lhes confere uma autoridade especial, eles têm o know how da sobrevivência, sabem perfeitamente o que devem fazer para controlar o andamento do mundo que nos rodeia. E controlam-no de acordo com os seus interesses.

O pormenor aborrecido é que, para garantir a sua sobrevivência, estes Senhores do Tempo, estes Mestres da Vida, necessitam de beber sangue; sangue fresco. Humano, de preferência. Muito sangue.

Imagino uma reunião magna da elite económica do nosso planeta.

terça-feira, janeiro 22, 2013

Diversidade biológica

Nunca haveria de ser capaz de reconhecer a sua incapacidade para ser feliz. Há pessoas assim, como aquele gajo, pessoas que são incapazes de sentir a felicidade. Depois há outras que, não sendo assim, são assado.

Muitas dessas pessoas (tal como um número considerável das outras) não seriam capazes de se enxergar nem que vivessem com um espelho pendurado na testa, a balançar-lhes à frente do nariz. Nem que vivessem dois mil anos com o espelho à frente do nariz.

Foi então que ele compreendeu que algumas pessoas são tristes assim e outras são felizes assado. Ou vice-versa.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

Este reino

A China deixa muitos economistas a babarem-se quando olham os gráficos que indicam o seu forte crescimento económico. Já não bastava à China ser uma espécie de outro mundo dentro deste mundo, ainda tinha que ameaçar destronar os EUA do topo da lista dos países mais ricos do mundo.

Fala-se em milagre económico quando se fala da China? Que os EUA não são milagre nenhum toda a gente já percebeu. Aliás, por alguma razão os Polícias do Mundo, os Paladinos da Democracia, e etc, e tal sempre se recusaram ratificar os acordos climáticos internacionais. Era necessário proteger a indústria, ao que parece. Na China está a passar-se algo (muito) vagamente semelhante, é preciso apostar na indústria e no desenvolvimento económico...

Estas apostas implicam o desdém pela qualidade ambiental. É assim mesmo, não há meio termo. Portugal vai ser processado pro Bruxelas por incumprimento das normas europeias relativas à poluição atmosférica e, no entanto, tem uma indústria moribunda, quase patética. Como pode competir comercialmente com países onde não há regras a este nível? Como pode a Europa competir com a China e os EUA? Não pode.

Ficamos a saber que, neste reino de Deus, os que tentam manter o planeta em condições um pouco menos infernais, estão condenados ao desastre económico. Caso tivéssemos dúvidas ficamos a saber que a economia devora o planeta. O bem-estar da espécie é, afinal, o quê? Consumir? Parece que sim, até à destruição total.

Estamos fritos (ou talvez estejamos cozidos, não sei bem).

terça-feira, janeiro 15, 2013

Europa



Ao que parece há uma grave cisão na Europa. O edifício abre brechas por todos os lados mantendo-se forte na cúpula e fraco nas fundações. Entre o povinho, os que não têm negócios de especulação de capitais nem sabem o suficiente de mitologia ou cultura Clássica, a maioria parece estar-se nas tintas para o “sonho europeu” ou para a “Europa da Nações”, o povo não parece estar ligado a este tipo de coisas sem valores.

Já os grandes capitalistas, banqueiros, demais agiotas e sanguessugas de serviço, vão mostrando algum entusiasmo no aprofundamento das políticas de união económica e monetária que lhes permitam manter o dente canino bem ferrado na nossa tão maltratada jugular.

Os governos, essas matilhas meio desengonçadas de miúdos com bandeirinhas na lapela, a fingir que têm ideologia política para lá do fundamentalismo económico, tudo fazem para manter o actual estado das coisas: lucros privados, prejuízos nacionalizados. A cúpula está firme, os alicerces abanam com a mais suave das brisas.

O povo parece estar mais interessado no pão que no circo, daí que seja previsível a queda de uns quantos palhaços caso não se consiga encontrar um método mais eficaz de distribuir as migalhas que vão sobrando na mesa da chularia.

A União Europeia não passa de um aleijão democrático, para mal dos nossos pecados económicos.

sábado, janeiro 12, 2013

Heróis

Nietzsche declarou a morte de Deus, Fukuyama proclamou o fim da História. Os Stranglers cantaram o fim dos heróis.

Procurando um herói no firmamento das estrelas mediáticas da actualidade é, de facto, complicado encontrar alguém que se enquadre no conceito. É como se o heroísmo fosse da categoria dos milagres bíblicos ou do tempo em que os animais falavam.

Sem heróis é difícil exemplificar a universalidade dos valores e sem valores só há bandidos.

Um herói não é obrigatoriamente uma pessoa inteligente. Se o não for terá de compensar essa falha aparente com uma fé determinada ou com sensibilidade suficiente que lhe permita discernir entre aquilo que é universal e aquilo que é vulgar, mesquinho, particular e interesseiro.

O herói bate-se pelo bem comum, derrota os bandidos que pretendem impor a sua visão totalitária fazendo triunfar os valores universais.

Dêem-me um herói para os nossos tempos, apontem-mo, indiquem-no ao mundo. Ou será que os Stranglers tinham razão?

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Verdade, realidade e o resto

Já noutras ocasiões aqui se reflectiu sobre a não coincidência entre aquilo que sabemos ser verdade e a realidade que conhecemos.

As deformações causadas pela colocação do observador em relação a um objecto e a perspectiva segundo a qual aborda questões e problemas, nem sempre são levadas em consideração e, por isso mesmo e não só, o resultado de uma reflexão redunda em opinião, que não é sinónimo de verdade.

Confuso, não é? Também me parece.

Vem esta conversa algo obtusa a propósito de uma notícia que, à primeira vista, mais não é que um fait divers, a notícia sobre uma "misteriosa guerra dos portugueses na Índia que só existiu na Wikipedia" (ler aqui).

Sempre que consultamos o oráculo Google, esse semideus do mundo virtual, é usual sermos conduzidos, em primeira opção, direitinhos às "páginas" da Wikipedia.

Ali encontramos informação gratuita e variada sobre os mais abstrusos assuntos, desde o ponto-de-cruz à mecânica quântica, da vida sexual das minhocas à melhor forma de construir uma bomba nuclear.

Tudo nos é oferecido espontaneamente, automaticamente, dispensando o trabalho de pesquisar diversas fontes, de comparar informação e opiniões antagónicas, oferecem-nos o mundo já mastigado, regurgitado e pronto a engolir sem mais trabalho que não seja o de abrir a goela.

Qualquer texto mais complexo e menos esquemático que nos surja nas ruelas esconsas deste mundo "internético", qualquer leitura que nos obrigue a mais que meio minuto de concentração é, por nós, quase imediatamente rejeitada. Não temos tempo, não temos paciência, não há espaço mental para pensar e ninguém nos paga para isso.

A gente ou "like" ou então nada!

Na ilusão de que temos ao nosso dispor uma imensidão infinita de conhecimento e sabedoria engolimos a maior das patranhas misturada na mais profunda das verdades reveladas. É tudo a mesma coisa, não há distinção entre uma colherada de merda e uma garfada de fillet mignon. Sabe tudo ao mesmo, tem tudo o mesmo odor, não temos de mastigar; apenas engolimos.

O conflito de Bicholim está aí, é uma pequeníssima fraude. Que mal pode dali vir a este mundo?

terça-feira, janeiro 08, 2013

Saúde!

Manoel de Oliveira está de regresso a casa. Com 104 anos de idade o velho cineasta continua a desenvolver projectos ininterruptamente e não parece haver maleita que o atrase.

Fascina-me a longevidade lúcida de certas pessoas. Continuar a dirigir projectos cinematográficos aos 104 anos de idade mostra que não há prazo de validade para as nossas capacidades criativas. O exemplo de Manoel de Oliveira é inspirador: a paixão pelo trabalho é como água da Fonte da Juventude.

Este homem dá sentido à esperança.


domingo, janeiro 06, 2013

O russo


Esta historieta rocambolesca da troca de nacionalidade tem feito correr mais tinta do que, se calhar, devia. Pessoalmente não sei se me espante. Na verdade nunca liguei muito a Depardieu, cuja principal qualidade sempre terá sido, a meu ver, o nariz torto e uma figura grotesca que ele equilibra com uma imagem afável. O tipo parece bonzinho.

Pelos vistos não é tão bonzinho como parece e, com um nariz daqueles, quando lhe sobe a mostarda perde a compostura.Trocar a cidadania francesa pela russa parece-me um pouco andar de cavalo para burro, mas o vil metal fala alto e cada um sabe de si.

A fazer fé numa notícia que acabei de ler num jornal desportivo online, ter-lhe-á sido oferecido o lugar de Ministro da Cultura de uma república russa, a Mordóvia. Isto é que é subir rápido na vida!

Nunca tinha ouvido falar da Mordóvia (o nome presta-se a jogos de palavras brincalhões) mas, pelos vistos, o lugar de Ministro da Cultura lá para aquelas bandas dispensa a necessidade de falar a língua local. Imagino que, tal como diz Depardieu, seja um sítio onde há uma democracia muito bonita.

Na verdade Gerard Depardieu sempre foi russo! Embora na imagem não se note, pois está caracterizado como Rasputine e, por isso, tem o cabelo escuro, o actor ex-francês tem o cabelo russo. Sempre teve.

sexta-feira, janeiro 04, 2013

Ano novo

A tentação para a auto-comiseração é grande mas, sendo tentação, é possível que seja pecado. Andar para aí, a chorar pelos cantos, até que pode dar jeito. Sempre esvaziamos a merda dos sacos lacrimais e ficamos com o olhar mais límpido, lavadinho.

Após termos chorado tudo o que havia para chorar e lamentado o que havia para lamentar, das duas uma: ou repetimos a coisa ou cagamos nisso.

Repetir o choradinho em loop não atrasa nem adianta. Estando feito, é meter no saco e atirar ao rio com duas pedras a ajudar que descubra o fundo.

Cagando nisso (assoado o nariz e esfregados os olhos) é tempo de pensar uns segundos no que se segue. O que vem aí? Aí vimos nós, aos saltos, com botas e pés pesados! Acautelem-se os que não são dos nossos!

quinta-feira, janeiro 03, 2013

Acordando

Um cartoon de Luís Afonso publicado num dos últimos dias do ano passado. 
O humor quer-se assim, meio torto, meio azedo com uns pozinhos de açúcar.

Clicar na imagem para ver melhor

VerTV

Um estudo daqueles estudos que nos põem a olhar para coisas que não nos lembraríamos de ver se não fossem, precisamente, esses estudos, vem revelar que o consumo de televisão em Portugal aumentou brutalmente no ano que expirou aqui há três dias atrás.

Tentando explicar os dados recolhidos, relaciona-se o consumo de TV com a crise económica e a falta de dinheiro para aceder a outros bens culturais (partindo do princípio que a TV pode ser considerada um bem cultural, assim, por atacado).

Os portugueses vão (ainda) menos ao teatro, ao cinema, assistem a menos concertos, viajam menos, fecham-se mais em casa e abrem a janela da TV para olhar o mundo. Já não eram grandes leitores mas, com o dinheiro a desaparecer no pagamento de impostos e de contas mensais, a venda de livros também tem descido vertiginosamente.

Podemos concluir que a crise nos empobrece das mais variadas formas sendo o empobrecimento cultural um facto inquietante. A pobreza do espírito poderá abrir as portas do céu mas isso só importa depois de morrermos, na hora de prestar contas ao Criador. Enquanto por cá andamos, a indigência cultural aproveita, principalmente, a quem pretende aproveitar-se de nós.

Um povo embrutecido, agarrado às telenovelas e aos reality shows, que recolhe informação preferencialmente nos telejornais e que é bombardeado com anúncios publicitários, tende a criar narrativas perigosamente simplistas do mundo que o circunda.

Um povo assim está pronto para a faca, carne fresca para ser retalhada pelos gulosos que, depois, ainda nos roerão os ossos, caso estejam com disposição para isso. A crise é um autêntico tsunami social.