domingo, janeiro 29, 2012

Uma questão


Na monstruosidade reside, normalmente, uma certa possibilidade de beleza. Na perfeição raramente resta espaço para mais que não seja a sua contemplação.
Talvez uma coisa perfeita seja uma coisa acabada e uma aberração seja um universo de possibilidades em efervescência.
Um objecto que não anseie a perfeição poderá existir em eterna suspensão, à espera de quem lhe confira aquela dimensão maravilhosa que o haverá de resgatar e trazer à vida. Um objecto feio poderá ser belo. Um objecto belo nunca poderá ser outra coisa.
A arte é uma aberração?

domingo, janeiro 22, 2012

SOPA não, obrigado

É sabido que uma percentagem absurdamente elevada de crianças detesta comer a sopa. De nada valem os esforços dos adultos que as tentam convencer a abrir a boca e engolir o que lhes pretendem enfiar boca abaixo.

Quando a teimosia se mantém, é vulgar ameaçar os petizes com a polícia, o papão, ou outras figuras que possam representar um poder repressivo suficientemente poderoso que as faça reconsiderar e abrir a boca para receber a colherada maldita.

O que se passou com a SOPA (Stop Online Piracy Act) que os EUA tentaram convencer o pessoal a comer não foi muito diferente. Como de costume, os legisladores norte-americanos pretendem saber o que convém ao resto do mundo, desta feita por forma a regrar o espaço virtual planetário que habitamos em conjunto.

A coisa metia um bocado de medo e ampliaria o papel de xerife mundial que os EUA gostam de ver em si próprios quando se olham ao espelho. Se a SOPA tivesse sido aceite havia de ser o bom o bonito, com os juízes americanos a pedirem que lhes enviassem na volta do correio todas as pessoas que se tivessem recusado a enfiar a zurrapa goela abaixo, portando-se mal e merecendo castigo severo.

Por uma vez imperou o bom senso e, para já, não temos de comer o que não queremos comer.

segunda-feira, janeiro 16, 2012

A Zumbisfera

Há palavras que valem um mundo inteiro. Assim, de repente, não estou a lembrar-me de nenhuma, quero dizer, sei apenas uma. É uma palavra que foi inventada pela Dona Sra. Urtigão a propósito de um post que deixei aqui e o Eduardo levou para o eterno Varal de Ideias.

Falava-se sobre o fim da blogosfera e da forma como ela vem sendo canibalizada (ou parasitada) pelo facebook e outras plataformas do género. Foi então que a Dona Sra. Urtigão inventou essa palavra genial que é "zumbisfera", este espaço onde vogamos como seres em semi-vida virtual, arrastando os nossos textos em passo de caracol embriagado. Este espaço outrora designado por blogosfera, no tempo em fervilhava de vida e alegria, com gente feliz e vivaça, aos pulinhos entre blogues, deixando comentários e links em todas as direcções.

A coisa esmoreceu e, nos dias que agora não correm, antes se arrastam, a zumbisfera vai andando lentamente, como que ao som de uma triste guitarra portuguesa, a choramingar notas que soam tal qual pingos de uma chuva ácida, a caír lá do alto de um céu muito cinzento, batendo na vidraça da janela, sempre fechada.

Em Portugal dizemos "zombie", no Brasil dizemos "zumbi"; a palavra é zumbisfera, porque foi assim que foi inventada e vale para as duas margens do lago Atlântico. Aqui não entra o Acordo Ortográfico pois estamos em pleno espaço virtual, de criação absoluta e liberdade perfeita.

Declaro oficialmente o nascimento da ZUMBISFERA, este lugar onde estamos e de onde ninguém nos haverá de tirar.


domingo, janeiro 15, 2012

Carnificina cultural

 John C. Reilly, Jodie Foster, Christoph Waltz e Kate Winslet

O mais recente filme de Roman Polanski adapta para o écrã a peça de teatro de Yasmina Reza, "O Deus da Carnificina". Ir ao cinema assistir a este filme na companhia da minha família era mais que uma obrigação, tratava-se de fechar um ciclo. Assistimos a duas representações diferentes da peça (ver aqui) daí que não perder o filme nos parecia absolutamente elementar. E foi, elementar, de facto.


O filme de Polanski vive da extraordinária capacidade de representação do seu elenco. O facto de a maior parte da acção se desenrolar no espaço apertado de uma sala, num apartamento, leva o realizador a optar por planos fechados sobre os corpos e as expressões faciais dos actores. Todos eles excelentes mas Jodie Foster, na minha mais que modesta opinião, destaca-se.

Dos palcos de teatro para o écrã é nessa concentração espacial que reside a maior diferença (o texto foi adaptado pela autora com a colaboração de Polanski). A boca de cena de um palco, aberta sobre o espaço da sala, confere ao espectador outras possibilidades de "respiração" visual. No filme, apesar de rápidas mudanças de décor, as quase-saídas de cena no patamar da entrada do apartamento, as idas à casa-de-banho ou à cozinha, o grande plano leva-nos para dentro do espaço que, se já era apertado para as 4 personagens, mais claustrofóbico se torna com a nossa presença ali dentro.

Polanski introduz outra personagem: um espelho, que confere profundidade espacial e dialoga com as personagens. Afinal de contas, esta peça, desculpa leitor, este filme, é como um espelho no qual reflectimos e por ele somos reflectidos. A ver.


sábado, janeiro 14, 2012

Cidadão Exemplar

  
1ª exposição n’ a parede


vai ser já na próxima terça-feira dia 17, n' a parede do café-bar do Fórum Romeu Correia, em Almada, que vai estar patente uma brilhante exposição de artes plásticas e fotografia levada diligentemente a cabo pelos exemplares, cidadão Paulo, cidadão Luís, cidadão Rui e cidadão José.

poderão apreciá-la devidamente em toda a sua plenitude - e tomar um cafezito ou um vinho quinado, comer uma deliciosa tosta ou uma espantosa torrada - até meados do próximo mês de fevereiro (exceto às segundas-feiras).

por isso, vejam lá se são bons cidadãos e aparecem.


Viva a arte, viva a cultura e a cidadania exemplar! Viva!!!

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Recordar e viver

Hoje acordei a pensar que nem eu sou tão bom como me dizia a minha mãe quando era pequenininho, nem os outros são tão maus como me fazia crer a minha professora da catequese, quando falava dos meninos que não eram baptizados.

Talvez tenha sonhado com esses tempos recuados e perdidos na desarrumação de memórias que é um cérebro humano. Precisava de contratar uma especialista em limpezas para me arrumar as ideias e limpar-lhes o pó. Por vezes penso como seria bom poder regressar ao passado com as imagens tão claras como num filme em Full HD e som surround da melhor qualidade.

Reviver o passado visto de fora, a comer pipocas e a beber coca-cola, sentado confortavelmente... pensando melhor, talvez não fosse assim tão bom. Sendo eu actor no filme da minha vida não me parece que pudesse manter a calma perante uma série de acontecimentos que talvez estejam melhor esquecidos atrás de algum aparador com um espelho partido.

Estou em crer que será algo traumático representar e assistir em simultâneo ao filme das nossas vidas. Até porque a professora da catequese tinha um penteado assustador e a sala onde nos ensinava as terríveis histórias da Bíblia estava sempre mergulhada numa penumbra adocicada, com mobília sem idade. Disso lembro-me. E chega.


quarta-feira, janeiro 11, 2012

Cidadão Exemplar


É um novo Blogue (há novos blogues no espaço virtual!!!???) que acompanha um projecto de exposições de artes plásticas a desenvolver no café-bar do Fórum Romeu Correia em Almada. A coisa está para breve e, por enquanto, o dito Blogue ensaia os primeiros passos. A dinamização dos espaços (do Blogue e das exposições) está a cargo de um grupo de 4 cidadãos exemplares que são o Paulo Nunes, o Luís Miranda, O Zé Julião (mais conhecido por estas bandas como Dear Hunter) e eu próprio. Viva a arte, viva a cultura e a cidadania exemplar! Viva!!!

Clica aqui para saltares até ao Cidadão Exemplar.

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Blogue, blogue, blogue...

Uma notícia lida no Público online deixou-me a pensar na diferença entre verdade e realidade (tema que lembro de já ter aqui abordado, talvez mais do que uma vez). Nessa notícia fiquei a saber que um entendido nestas coisas dos blogues anunciou, vai já para 4 anos, mais coisa menos coisa, o fim da blogosfera (ler aqui).

Foi assunto de comunicação no IV encontro de blogues. Confesso que nunca me tinha apercebido que houvesse um encontro desta natureza e, mesmo que soubesse da sua existência, a minha preguiça motora decerto me teria impedido de lá ter ido encostar o esqueleto.

Talvez por isso (por ser preguiçoso e pouco participativo) não me apercebi do fim desta coisa. Nem eu nem, pelos vistos, muitos milhares (milhões!) de pessoas por esse mundo fora que, apesar das novas plataformas de convívio virtual, continuaram a "blogar" a despeito do fim da blogosfera. É que, apesar de ter o fim anunciado e o funeral organizado, o cadáver continua a bulir.

Poderemos então concluir que a bologosfera é um zombie? Estou em crer que assim é. A blogosfera é um zombie virtual cujo estranhíssimo corpo é constituído por ti, por mim, e por todos os outros que aqui vêm e aí vão e por aí andam, a arrastar os teclados pelos confins do espaço virtual.

Longa morte à blogosfera!

domingo, janeiro 08, 2012

Que se há-de fazer?

 Alimentar o bife, desenho, 2010

Cada vez mais se percebe que o Estado não se encontra ao serviço do bem comum. É uma associação de malfeitores engravatados com mais lábia que uma puta embriagada a convencer o potencial cliente da magnificência dos seus atributos, quando se percebe imediatamente que, por baixo do bâton, do rimel e do penteado, pouco mais há que coisas falsas e postiças.

Somos roubados (não há outra expressão) diariamente e aguentamos. Nós, os portugueses, somos como antílopes na savana: sabemos que há leões à espreita de uma oportunidade para nos saltarem à espinha e nos  ferrarem a dentuça, fundo no lombo, mas continuamos a pastar, plácidos e de olhar ausente noutros sonhos. Que se há-de fazer?

Fazemos parte de uma cadeia ecológica da qual somos a base. Depois há uma escala de comilões que nos papam à fartazana, sejam pequeninos e com dentes afiados como agulhas, ou grandalhões, com bocas de quilómetro e meio, capazes de engolir famílias inteiras com um simples suspiro. Comem-nos, mastigam-nos, desprezam-nos. Mas que se há-de fazer?

Somos um povo que, na verdade, aguenta tudo com muito pouca revolta. Temos uma capacidade de aguentar a desonestidade e a gula desvairada daqueles que nos exploram que dá vontade de gritar aos nossos próprios ouvidos. Somos um povo que é a manada ideal, o sonho húmido do capitalista selvagem, somos o pasto perfeito do vampiro mais preguiçoso. Qualquer um nos ferra o dente e vai chupando, chupando, chupando, até não restar pingo de sangue e não sermos mais que um invólucro vazio.

Que se há-de fazer?

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Carta de escárnio (que maldizer não posso)

Li algures (ou terei sonhado?) que os portugueses, quando se atiraram mar adentro e mundo fora, nunca foram capazes de se estabelecer mediante um plano de expansão particularmente visionário. O mais que foram fazendo terá sido o estabelecimento de um sem número de tascas junto à costa africana, onde vendiam aos indígenas as maravilhas da nossa produção nacional, nomeadamente a bela pinga, o tal vinho tinto que, alguns séculos mais tarde, viria ser certificado por um assombroso estadista como dando de comer a um milhão de portugueses, cálculo que pecava, evidentemente, por defeito, já que seriam muitos mais o que se alimentavam exclusivamente desta dádiva de Baco à nossa pátria incomparável.

Vem isto a propósito da notícia publicada nas páginas do jornal Público no dia 5 de Janeiro sobre a orientação de Paulo Portas às nossas missões diplomáticas no sentido de “venderem” Portugal aos estrangeiros, sejam eles europeus, africanos, asiáticos ou extraterrestres.

As nossas embaixadas deverão passar a funcionar como entrepostos comerciais, enterrando definitivamente a modesta “diplomacia do croquete”, transmutada numa coisa mais agressiva e pós-moderna, à base de “road-shows” e outras coisas tão assombrosas quanto irresistíveis.

Paulo Portas, que andava tão silencioso e escondidinho, surge de súbito, qual Dom Sebastião cuspido pelo nevoeiro, para revelar o verdadeiro plano redentor da nossa economia. Este engenhoso plano de venda da pátria em atraentes pacotes de coisinhas boas só poderia sair da mente de um estadista que foi capaz de investir uma fortuna na aquisição de dois submarinos quando o país se encontrava numa situação de evidente crescimento e desafogo económico e tinha as contas equilibradas, isto antes dos tempos desgraçados em que os governos de Sócrates arruinaram a nossa balança de pagamentos. As visões são para quem as tem e quem as não tem fica a roer-se de inveja.

Com este novo paradigma da nossa diplomacia, Paulo Portas demonstra o seu conhecimento da história pátria, recuperando a nossa atávica veia de tasqueiros bebedolas quando se trata de estabelecer relações internacionais. É claro que, no século XXI, temos mais coisas para oferecer além do incontornável tintol, as oportunidades de negócio, agora, são outras e mais variadas.

Já não estamos a entrar na China, agora abrimo-nos ao Império do Meio. Já não negociamos escravos nas costas africanas com chefes de tribos tão escrupulosas quanto a nossa. Agora deitamo-nos no chão a implorar aos novos chefes africanos que nos cobrem pelos pecados dos nossos antepassados.

Se alguma coisa aprendi nos tempos do Portugal salazarista foi que o pobre pedinte não tem orgulho, embora possa andar limpinho, compostinho e desconfiar da generosidade de certas esmolas. Paulo Portas também terá aprendido isto mas, como nunca na vida foi pobrezinho (em termos materiais), não tem vergonha nenhuma e pensa que ser esperto é quanto basta para passar entre os pingos da chuva sem se molhar. Coitado.

Nota: enviei esta carta para o Público. No lugar da directora do jornal não a publicava por ser tão provocatória e, nalguns passos, tão pouco decente. mas não podia deixar de enviar esta coisa. O impulso de o fazer foi muito mais forte do que as forças em sentido contrário.

terça-feira, janeiro 03, 2012

Pensamento profundo

"Quando estou a pintar não tenho consciência do que faço. Só depois de uma espécie de período de familiarização é que vejo o que estive a fazer"

Jackson Pollock

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Bom 2012

Os dias de Inverno, assim como o de hoje, são os mais bonitos, os mais perfeitos de todos. Trazem o sol lá do fundo da paisagem e deixam-no ir subindo devagarinho, para lhes não estragar o frio, que sempre são dias de Inverno. E é isso que os faz tão bonitos e perfeitos: o sol a iluminar o frio pousado sobre as coisas.

O calor amansado pelo ar que nos rodeia a cabeça, a lutar de mansinho com a friagem, como se fossem dois gatos pequenos a rolar doçuras no tapete da sala onde Deus adormeceu e ressona levemente, como um músico de orquestra a experimentar o trombone com um sopro levezinho.

Nestes dias de Inverno, dias gelados de sol, o mundo quer dizer-nos que tudo pode acontecer, que uma coisa não é assim tão diferente do que for o seu contrário.

Bom 2012 companheiros.

domingo, janeiro 01, 2012