sexta-feira, dezembro 30, 2011

Falência democrática



A notícia era discreta, ocupando apenas um cantinho da página 9 da edição do jornal Público no dia 22 de Dezembro: Portugal tem uma “democracia com falhas”, dizia o título. 

Lendo a noticiazinha ficamos a saber que, em 2011, o declínio da democracia se concentrou na Europa (Finlândia, Irlanda, Alemanha, Portugal, Itália e Grécia). Todos os países da lista perderam pontos principalmente devido à erosão da soberania associada aos efeitos da crise, a União Europeia a encontrar no declínio da democracia um ponto forte das suas políticas. 

De há uns tempos a esta parte que se fala por aí, à boca pequena, do conceito de Pós-democracia, um conceito que seria interessante debater de forma mais alargada mas que, estranhamente, tem sido muito pouco (ou mesmo nada) divulgado nos meios de comunicação social. 

Podemos caracterizar a Pós-democracia como um regime em que somos governados por grupos económicos que não se sujeitam ao escrutínio popular e se representam exclusivamente a si próprios fazendo prevalecer os seus interesses particulares em detrimento dos interesses colectivos. 

Bastaria olhar para a forma como os actuais primeiros-ministros da Itália e da Grécia chegaram aos cadeirões que agora aquecem e, mais curioso ainda, observar os respectivos currículos em instituições financeiras com muitas culpas no cartório do afundamento geral das economias europeias.

Estes homens não foram eleitos, o que nos leva a um patamar superior da Pós-democracia: os responsáveis políticos são cooptados entre ex-dirigentes de grupos económicos, não se sujeitando ao escrutínio popular e representando exclusivamente os interesses particulares desses grupos em detrimento dos interesses colectivos.

É complicado viver a História antes de ela ser escrita e vertida devidamente em manuais escolares nas páginas correspondentes, para que possa ser estudada com a distância que se impõe à formação de ideias claras e conclusões avisadas. Talvez, dentro de algumas décadas, os tempos que agora vivemos venham a ser considerados como a época da falência da democracia, a génese de uma nova ordem mundial, saída daquilo que designamos por “globalização”. 

Talvez os tempos que agora vivemos venham a ser considerados como a época em que o “sonho americano” foi substituído pelo “pesadelo chinês”, os tempos em que os cidadãos das ex-democracias foram confrontados com um novo paradigma social: trabalhar cada vez mais, receber cada vez menos e ir perdendo todos os direitos que caracterizavam os “estados sociais” que evoluíram ao longo de décadas após a 2ª Guerra Mundial. Talvez as coisas venham a ser assim ou, quem sabe, talvez nada disto venha a acontecer.

Olho para o nosso primeiro-ministro, para a forma como o actual governo português tenta governar a crise e não me sinto particularmente optimista. Sinto-me até muito pessimista. Apetece-me virar as páginas do jornal rapidamente até chegar à secção de desporto ou, então, ler o jornal de trás para a frente. É preferível observar as tabelas classificativas dos vários campeonatos de futebol por essa Europa fora a concentrar a atenção nas oscilações da Bolsa.

Este texto foi enviado para a Directora do Público.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Imprecação ao Ano Velho

Agora que estás a apagar-te posso dizê-lo: foste um desastre! E, como te restam apenas uns diazitos de vida, não tens hipótese de remissão. Meteste nojo, fizeste merda, não prestas para nada a não ser para acinzentares ainda mais o tempo que aí vem. És uma promessa estragada.
Tiveste os teus dias bons, concordo. Nem sempre foste a coisa má que agora pareces ser, admito, mas, tudo somado, só soubeste defraudar aqueles que em ti acreditaram e em ti imaginaram um futuro melhor que agora se revela um passado para esquecer.
Só uma coisa te pode salvar; que o Novo Ano seja ainda pior do que tu foste. Só isso poderá fazer com que alguém ainda venha a ter de ti uma leve aragem de saudade.
Cheiras mal mas pode ser que o que aí vem cheire pior e pronto! Lá te safas de um enterro sem ninguém que te chore ou te deixe um malmequer a enfeitar a campa.
Adeus, ó vai-te embora!

quarta-feira, dezembro 28, 2011

Dívidas são para pagar

"A Dívida" é um filme sem qualquer tipo de efeito especial (talvez uma coisinha ou outra, a fazer o espectador dar um salto na cadeira, mas é coisa pouca). É um filme que vale pelo argumento, pela narrativa, em elegantes flash-backs, e, sobretudo, pela presença magnética de Helen Mirren, uma actriz fora-de-série.

As variações de ritmo abanam o coração de quem assiste e as reviravoltas e surpresas são uma constante. As personagens são convincentes e os maus são muito piores que os bons (que são dificeis de descortinar). Vi o filme sem saber nada, mesmo nadinha, sobre o argumento. Talvez por isso tenha saído da sala com a sensação de plenitude que ainda guardo na cabeça.

Um filme denso e interessante do primeiro ao último minuto.

terça-feira, dezembro 27, 2011

Olhos em bico

Há uma expressão que se utiliza no nosso país que é "ficar com os olhos em bico". Utiliza-se quando alguma coisa nos impressiona ao ponto de nos deixar "com os olhos em bico". Ficamos estupefactos, estupidificados, assombrados, zonzos, surpreendidos, desorientados, em suma, corta-se-nos a respiração ao ficarmos "com os olhos em bico".

Com a venda de uma fatia considerável da EDP à Three Gorges Corporation a expressão pode vir a ganhar um novo significado.

Sem tecer considerações sobre este estranho processo de privatização que consiste na venda de capital a uma empresa pública chinesa, fica a notícia de que a coisa caíu bem entre os nossos novos amiguinhos. "O processo foi muito justo, objetivo e transparente (...). A decisão do governo português criou um bom exemplo e estabeleceu um bom precedente", disse à agência Lusa em Pequim o presidente da China Three Gorges Corporation (CTG), Cao Guangjing (lê aqui se estiveres para isso). O senhor Cao Guangjing rematou, dizendo que "A Three Gorges é uma empresa muito conhecida na China (...), Os bancos e outras empresas chinesas irão seguir-nos".

Ao que tudo indica, depois dos restaurantes e das lojas dos chineses, chegam agora as grandes empresas e os bancos do Império do Meio. "Mais negócios poderão seguir-se, à medida que as enfraquecidas economias europeias procuram clientes para ajudar a resolver as suas dívidas", disse o "China Daily" ao anunciar o resultado do concurso internacional para a privatização da EDP.


Já aqui escrevi mais do que uma vez sobre a troca do "sonho americano" pelo "pesadelo chinês". Todos os portugueses estão perante a crua e dura realidade que é "trabalhar mais, receber menos e perder direitos". Ao que parece esta é a receita para um novo modo de vida que se anuncia já para o próximo ano que está aí a rebentar, não tarda. O futuro promete deixar-nos com os olhos, cada vez mais, em bico.



sexta-feira, dezembro 23, 2011

A casa


O dia de Natal aproxima-se, é tempo de viajar até casa.
Há 30 anos que saí da minha cidade natal e tenho sempre vivido por estes lados. Há muitos anos que moro no apartamento onde escrevo estas palavras (penso que há 18 anos). É um bom lugar, já repleto de memórias, mas quando regresso às origens digo que vou para casa.

Não há nada a fazer. Mesmo que só lá vá duas ou três vezes por ano, mesmo que tenha uma família e este lugar, onde vivo a maior parte do tempo, a minha casa será sempre ali.

Boas Festas e até breve.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Kim III

Eu sei que não sei grande coisa sobre o que se passa na Coreia do Norte. Eu sei que, para um gajo que vive neste lado do planeta, é complicado compreender o que vai nas cabeças dos norte-coreanos quando choram assim, como madalenas arrependidas, baba e ranho, perante as imagens dos seus queridos líderes feitos múmias ou, mais simplesmente, transformados em memórias. Eu sei.

Além do que acima fica escrito também me faz confusão que os comunistas que conheço fiquem todos eriçados quando se fala mal da Coreia do Norte. Agora que o mundo contemporâneo se torceu todo de fora para dentro e de dentro para fora, resta-lhes este cadáver político e social como âncora ideológica, o que não deixa de ser paradigmático da fome doutrinária que passam.

Como pode ser comunista um país onde o poder é hereditário, passando de pai tirano para filho? Qual  a sustentação ideológica para esta situação aberrante? Como designar o regime norte-coreano? Monarquia?

Deixem-me finalizar este post meio macaco dizendo que a morte de Kim II me tocou tanto como a do Kim que o antecedeu na cadeira de rei da Coreia do Norte. Dois gordos que governaram com pata de ferro um país de pobres escanzelados e  que agora têm em Kim III um herdeiro gordo e seboso como eles.


terça-feira, dezembro 20, 2011

Drive


Primeiro dia de férias (primeira tarde, na verdade ) e uma ida ao cinema com a família para assistir a "Drive", um filme do qual não tinha a mínima pista. Gosto de ver filmes sem saber nada sobre eles. A surpresa agradável ou enfado absoluto estão no horizonte próximo do écrã, gosto disso.

Uma plateia com pouco mais que uns dez/quinze espectadores, quase todos adolescentes carregados de pipocas e baldes de cola, um ou outro boné daqueles tipo "gangsta", telemóveis incansáveis, uma vontade enorme de não-sei-quê. O costume. Falatório, risinhos, namoricos, a esmagadora maioria dos espectadores estavam ali para qualquer coisa que não era ver o filme, mas outra coisa, uma coisa que me escapa apesar de tão banal e repetida.

O filme começou com uma cena muito bem montada, grande suspense, a personagem principal, interpretada pelo novo actor do momento, Ryan Gosling, apresenta-se: denso, tenso, algo misterioso. O ritmo é variado. Ora rola sonolento, ora irrompe em acção frenética e, mais lá para a frente, explode em cenas de hiper-violência. Um objecto cinematográfico com estilo e algumas soluções visuais de grande intensidade e beleza. Outras simplesmente horrendas, a ponto de me fazerem virar a cabeça e trocar olhares (esgares) com as minhas companheiras de plateia.

Quando o filme acabou não restou grande coisa. A profundidade do argumento não é o forte de "Drive". É mais o exercício de estilo.


sábado, dezembro 17, 2011

Parabéns a esta coisa

Ando tão ali que nem reparei no aniversário do 100 Cabeças, uns dias antes do dia de hoje (foi a 28 de Novembro, aqui o 1º de todos os posts). Aniversário de Blogue é coisa sem bolo nem velas nem amigos nem presentes, é coisa vazia, como um copo partido.

Tem seis anos, o 100 Cabeças, mas é como se tivesse pouco mais que uma semana. Escrever é, por vezes, uma tarefa puxada. Noutras ocasiões os dedos martelam as teclas tão depressa que até me convenço que sei escrever à máquina.

É estranho, andar aqui, escrever isto e deixar o escrito assim, como que pregado na parede, à porta da mercearia. Qualquer um pode ler. Conhecidos, desconhecidos, assim-assim e mais ou menos. Basta ter olhos e não estar com demasiada pressa.

Os Blogues já tiveram maior impacto e menos concorrência. Mas, tal como os jornais impressos vão perdendo leitores, também estas coisas virtuais se vão esvaziando e perdem clientela para as redes sociais tipo Facebook (há outras não há?).

Quer-me cá parecer que quem escreve estes jornais de parede, porque sim e não porque não, não esmorece. E continua. Parabéns a esta coisa (atrasados, mas não faz mal).

terça-feira, dezembro 13, 2011

Pensamento (quase) idiota

Um espectro assombra o sossego da velha Europa. É o fantasma horroroso do desentendimento, a sombra imensa da Torre de Babel que se projecta ameaçadora sobre os centros comerciais, os stands de automóveis de luxo e os resorts algarvios. O povo treme com receio de vir a ficar com os olhos em bico e os ricos das nações europeias agitam-se por perceberem que não são tão glamourosos como imaginavam. O mundo reposiciona-se e, neste movimento com que se ajeitam os rabos mais gordalhufos, muitos dos que até agora cagavam sentenças percebem que estão a ficar de rabo ao léu, perdendo o poder de defecar onde muito bem lhes apeteça. Não sei se fique triste ou se fique contente. Os pobres e os desprotegidos são as primeiras vítimas (é de ficar triste) mas, a seguir, vão caír muitos dos ricos e poderosos (é de ficar contente?). As paredes tremem, os tijolos desmoronam-se... a sombra do fantasma alonga-se, como a sombra de um pinheiro alto no fim de uma tarde de verão muito comprida.

quinta-feira, dezembro 08, 2011

Idade adulta

Muito se fala sobre ser adulto, ser infantil, ser adolescente, ser cão, ser avião ou, mais simplesmente, não ser nada de nada ou uma outra coisa qualquer. É tudo uma questão de identidade, uma forma de procurar a definição exacta de uma pessoa. Como se isto de ser ou não ser fosse questão com resposta objectiva, mensurável, catalogável e, finalmente, passível de arrumar na prateleira correcta, no lugar absoluto e inquestionável que cada um de nós ocupará, infalivelmente, no universo das coisas tangíveis.

Pois eu não estou nada de acordo. Nem com isso (com o quê, exactamente?) nem com o seu oposto, que é a mesma coisa vista ao contrário. Apesar de já levar umas quantas décadas a andar por aí, não posso afirmar com segurança que sou um adulto. Se o fizesse estaria a mentir-te, caríssimo e impagável leitor, e a enganar-me a mim próprio, autor meio desvairado destas linhas que, aparecendo aos nossos olhos na horizontal, são, na verdade, oblíquas, sinuosas e, acima de tudo, muito, mas mesmo muito, maldosas, benza-as Deus Nosso Senhor.

De cada vez que estou perto dos meus pais, mais da minha mãe, estou em crer, há qualquer coisa dentro de mim, penso que seja uma peça, que me faz sentir infantil. Na verdade é a sensação de ser filho, o que equivale a uma sólida sensação de infantilidade. Posso ter quase 50 anos, mas a proximidade dos meus progenitores devolve-me a doçura da infância. Garanto-te, leitor amigo, se não fosse o espelho implacável, poderia imaginar-me de novo com o cabelo todo no lugar e os pulmões mais limpos que o chão da cozinha após a passagem da esfregona com desinfectante, a cheirar a flores selvagens.

O dia virá em que os meus pais se irão. Talvez nesse dia eu me transforme, finalmente, nessa coisa que é ser um adulto. Até lá, juro a pés juntos, continuo a ser uma criança. Com barba e pouco cabelo, com barriga e demasiados vícios, mas criança. Uma criançola apenas. O que já não é pouco, diga-se de passagem.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Estranha beleza

Nesta vida tudo se paga, nada nos é oferecido. Os americanos dizem que "não há almoços grátis", os  portugueses afirmam que "quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga", cada povo reza as suas sentenças o que mostra muito da forma como vê o mundo que o rodeia.

A notícia de que Pequim está encerrada numa colossal nuvem de poluição não deverá surpreender ninguém (ver aqui). A degradação das condições de vida é o preço a pagar pelo extraordinário crescimento económico. A China não pode tornar-se a maior economia do mundo sem pagar bem paga tal façanha. É este o modelo civilizacional a que aspiram as grandes nações do nosso mundo?

Vejamos a coisa pelo lado das oportunidades; um empresário com visão de futuro e olho para o negócio poderá investir na criação, produção e comercialização de uma linha de máscaras de oxigénio. É um produto com muito futuro nos mercados asiáticos hoje e, amanhã, no resto do mundo! A economia é uma ciência autónoma e tem a sua estranha beleza.

sábado, dezembro 03, 2011

Faces

Não deve haver nada pior que a obrigação de simpatia, a necessidade profissional de afivelar um sorriso quando a vontade é estar com a cara que temos e não aquela que outros nos querem ver trazer agarrada ao cimo do pescoço.

Vem isto a propósito daqueles programas que passam na TV nestes inícios de tarde de fim-de-semana, onde os canais televisivos promovem os seus produtos comerciais (telenovelas, programas de "famosos" e outras coisas do género) com "entrevistas" às personagens que fazem as caras dos seus écrãs.

Toda a gente conhece toda a gente, toda a gente é absolutamente bonita e especial e toda a gente tem coisas fôfas a dizer de toda a gente, desde que faça parte da respectiva "família" que é a do tal canal de TV, seja público ou privado.

A coisa é tão forçada que apenas encontro paralelo nas caras que fazemos quando, sentados na sanita, nos vemos e desejamos para descarregar a tripa. Corados, meio desfigurados, ao sentir aquele desprendimento magnífico, estamos capazes de assegurar ao mundo como o amamos por nos sentirmos tão mais leves.

Nesses curtos momentos a felicidade é visível e não é necessário fingir um sorriso tão rígido que, vendo bem, é apenas um esgar desesperado, nem dizer aquelas banalidades estupidificantes que os tais programas nos impingem com imagens de carinhas sorridentes, de um "kisch" assustador, que nos ilustram o écrã.

Nauseante.