segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Oscarizações



E pronto, os Oscares foram distribuídos. O Discurso do Rei ganhou alguns, Natalie Portman levou o dela, Christian Bale levou o dele, os bonequinhos vão, finalmente, conhecer as suas novas moradas. Onde irão ficar? Numa prateleira? Numa vitrina? Numa gaveta? No sótão? Bem vistas as coisas, um Oscar, mesmo um destes bonequitos da Academia de Hollywood, é um bibelot, nothing else.

Acho curioso que algumas pessoas comuns (serão muitas?) , como tu e eu, tenham preferências, que torçam por este filme ou aquela actriz, que fiquem aborrecidos por não verem o seu talento preferido ser agraciado com a benesse de um boneco dourado. O Oscar poderá fazer com que alguém deixe de considerar um artista menos brilhante se não o levar para casa? Ao Oscar, não ao fã.

Da parte que me toca acho que foram muito bem distribuídos e penso que, caso tivessem sido outros a ganhar aquelas coisas brilhantes, teriam sido igualmente bem atribuídos. Resumindo, quero que os Oscares se lixem; um bocadinho, não completamente. Só um bocadinho.

O que eu quero mesmo é ver bom cinema. Com ou sem Oscar.

sábado, fevereiro 26, 2011

Nota breve

Depois de ter lido 2666 devorei Estrela Distante e estou em trânsito n'O Terceiro Reich. A escrita de Roberto Bolaño é uma das coisas mais entusiasmantes que ultimamente apareceram na minha existência. Como não há palavras para descrever a obra de Bolaño fico por aqui e digo-te apenas, caríssimo visitante, experimenta.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Manhã gloriosa



Olhando para trás havia as escarpas do passado que se precipitavam como loucas naquele mar estranhamente quieto e solitário, que era a vida que tinha vivido até ali. Deu por si naquele preciso lugar, suspenso entre o tempo e o espaço, aquele lugar que era ele próprio, um exacto momento.

Olhando para trás abarcava toda aquela desolada paisagem: o seu passado; penedos afiados que pareciam implorar qualquer coisa a um céu demasiado cinzento e carregado, uma vegetação açoitada por um vento semelhante a facas atiradas sobre o mundo por um deus simplesmente enfastiado. Custava-lhe suportar aquela visão sem que as lágrimas lhe viessem bater às janelas dos olhos.

Quando isto acontecia fechava os olhos com violência e recusava-se a acreditar que a vida fosse apenas aquilo. Depois voltava a molhar a torrada na chávena onde repousava, quieto, o café-com-leite, horizontalizava um longo sorriso felino na direcção da filha mais velha (que transformava em boquinha de cú para fazer rir a mais nova) e passava os olhos pelo écrã da televisão que mostrava sempre imagens desfocadas de filas de carros que pareciam tentar apenas tornar-se mais nítidos e coloridos sem que nisso tivessem a mínima sombra de sucesso.

Reconheceu em tudo aquilo e mais no sol (que lá fora brilhava como ouro) outra manhã que se anunciava gloriosa.

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Da existência dos vegetais


O tempo que vivemos é todo para consumir. Não pode haver tempos mortos, apenas e exclusivamente tempos vivos. E frenéticos. Este consumo constante e sôfrego faz do tempo que vivemos uma coisa violenta, como se o tempo fosse uma serra circular mecânica, a esquartejar sem dó nem piedade tristes árvores que foram arrancadas ao sossego de suaves colinas que nem sabemos se eram colinas verdejantes ou negras memórias de algum incêndio criminoso. Árvores que se tornaram irritantes por serem tão quietas, tão contemplativas, por serem tão diferentes ao manterem-se fiéis à sua natureza.

domingo, fevereiro 20, 2011

A história da miúda e do zarolho


Há a época da caça aos pombos, da pesca à baleia, dos morangos maduros, das revoluções árabes e a época dos filmes candidatos aos oscares. Não me lembro bem porquê mas, para mim, Óscar é nome de rato. E de boneco dourado, sem o acento.

 Apercebo-me de que é nesta época, a dos filmes candidatos aos oscares, que vou mais frequentemente ao cinema. Talvez seja, afinal, mais vulnerável à publicidade do que imagino. Mas pronto, não me parece que seja o suficiente para considerar isso uma doença.

Hoje foi a vez de True Grit/Indomável, o mais recente filme dos irmãos Coen, um western à boa nova maneira. Convenhamos que há um antes e um depois de Unforgiven/Imperdoável, o espantoso filme de Clint Eastwood que marcou um novo paradigma nos westerns.True Grit, não tendo mesma estatura que Unforgiven, não desmerece e é um bom filme.

Tem aquela tonalidade dominante de castanhos e ocres, uma ausência quase absoluta de cores primárias, a não ser no céu e no sangue, tem cenas de cavalgada sob as estrelas e com fundos majestosos. Tem tiros e vilões que o são apenas porque a vida os fez assim. Tem heróis desbocados e mal encarados e uma miúda transbordante de coragem que se move num universo masculino e impiedoso com a graça de um duende habilidoso.

A violência irrompe do nada como uma tempestade de verão, assustadora, arrasadora e, tal como surge, desaparece, deixando-nos estupefactos. Esta é uma característica da arte dos irmãos Coen.

Resumindo e concluindo, não sei se True Grit vai arrecadar muitos, poucos ou mesmo nenhum Oscar. Não sei e penso que isso não interessa nem um bocadinho. É um filme com uma realização excelente e uma montagem espectacular. Os actores... muito bons, caraças, muito bons mesmo. Aliás, depois do que tenho visto não sei como poderão decidir quem é merecedor do Oscar para o melhor actor.

sábado, fevereiro 19, 2011

Conversa mole (a derreter)


Tenho a incómoda impressão de que o nosso espaço político e social entrou, definitivamente, em contracção. A ideia de uma economia em contínua expansão, assim à laia de universo infinito, não faz sentido a não ser num mundo irreal, um mundo de banda desenhada rasca.

Não sei quando deixámos de ser cidadãos e passámos a olhar para nós próprios como consumidores. Talvez tenha sido quando aceitámos a ideia de sermos mais contribuintes que beneficiários das nossas contribuições. Não sei quando foi, mas lá que isso aconteceu, não tenho dúvidas.

Os nossos níveis de consumo têm feito mais mal que bem ao mundo em assentamos estes cús de chumbo que nos enfeitam o fundo das costas. Imaginemos que o consumo, tal como o praticamos, se expande aos gigantes asiáticos. BUUUUM, rebenta esta merda toda. A menos que troquem apenas de lugar. E que os ricos passem a ser pobres por troca com os pobres que passem a ser ricos.

Esta conversa está a ficar mole de tão desencantada. Mas a tal impressão incómoda começa a ganhar contornos de certeza. Quando acontecer, quando a China for o farol da humanidade, como será a nossa vida? Estou em crer que vamos ter de reencontrar os prazeres simples da existência humana, reaprender a amar a luz do sol e a beleza da nossa sombra projectada no chão que pisamos. Coisas assim.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Imperceptível?


Sabemos que as revoluções, quando acontecem, são como que inflamações da alma, crises passageiras e violentas que transformam o modo de ver o mundo de um grupo mais ou menos alargado de pessoas. São fases críticas, durante as quais o universo dos sonhos entra em colisão com o mundo real, criando zonas de grande instabilidade, abrem-se fendas na realidade que deixam muita gente apreensiva.

Sabemos que, após o período revolucionário, o mundo real tende a retomar o seu aspecto granítico e inamovível, mas a verdade é que a sua superfície sai sempre arranhada, a revolução provoca ligeiras alterações que irão mudar o aspecto da coisa, por muito imperceptíveis que essas alterações nos possam surgir.

É preciso acreditar nas alterações provocadas por uma revolução. A revolução não resulta sem uma certa dose de ingenuidade social.

O que se está a passar no mundo árabe é notável. A invasão do Iraque não levou a nada. A força bruta das armas apenas provocou um maior fechamento das sociedades árabes à influência ocidental. Por outro lado, a informação globalizada e o desejo de mudança das populações está a produzir efeitos interessantes. As verdadeiras revoluções não se operam de fora para dentro, elas surgem no interior das sociedades humanas.

Poderemos pensar que nada de significativo se irá alterar. Que os pobres continuarão a vegetar na busca de uma vida um pouco menos madrasta, que os ricos continuarão a gozar de privilégios imensos, que os ditadores apenas mudam de farpela, etc. etc. Mas, na verdade, alguma coisa mudará e o futuro se encarregará de moldar essa mudança.

As coisas ainda estão quentes e informes. Quando arrefecerem o mundo vai estar diferente. Melhor? Pior? Impossível dizê-lo para já. O mundo estará seguramente diferente. Essa é a única certeza que poderemos ter. Nem que seja apenas um bocadinho...

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Tic tac


Começar o dia a imaginar o que ele poderá trazer de positivo é uma forma feliz de encarar o relógio ao abrir os olhos. Nem apetece dar-lhe a palmada da ordem. Desliga-se o despertador com uma espécie de carícia desajeitada. Estamos prontos.

Dentro da cabeça há como que um espaço preenchido por indecifráveis sensações que se aconchegam umas nas outras, que se enroscam carinhosamente, é uma coisa boa. O dia que aí vem (ou que aí está) oferece-se sem grandes compromissos nem expectativas demasiado altas. Estamos em sintonia; nós e o tempo, dentro e fora do relógio.

Agora já estou dentro da vida que o dia me reservou. O relógio continua a marcar aquela coisa que chamamos horas, minutos, tu sabes ao que me refiro. Ainda há muito para viver no que resta do dia de hoje. Até mais logo.

terça-feira, fevereiro 15, 2011

Sensação fugaz


Era um daqueles filmes sobre os problemas emocionais de jovens adultos brancos perdidos no universo consumista do mundo ocidental que se comportam como crianças parvas. Jovens adultos com a maturidade emocional de um bróculo farfalhudo. Uma comédia romântica.

Um gajo vê o trailer enquanto aguarda que o filme a sério comece e pronto, fica a sensação de que já está visto. Parecem filmes feitos para preencher o espaço entre uma "twitterada" e meia "facebookada", um espaço exíguo que, por mais que se preencha, aparenta ficar sempre vazio.

Um espaço à espera de coisas irrelevantes que o possam enfeitar e fingir-lhe um sentido... o espaço das vidas que nos arriscamos a levar para a tumba no dia em que deixarmos de ser aquilo que agora somos.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Sonhar custa mais do que possa parecer


Os manifestantes na cidade do Cairo parecem fazer parte da nossa família. Eles choram, riem, gritam, sussurram, abraçam-se e é como se sentíssemos os braços deles a envolver a nossa necessidade insaciável de poder acreditar na utopia maior que é poder sonhar com uma sociedade mais próxima da que colorimos com a nossa imaginação.

Tenho acompanhado os acontecimentos de forma aleatória e com a focagem que me permite a lente da comunicação social, principalemnte a do olhar de Paulo Moura, esse grandíssimo jornalista que anda por lá a cobrir a revolução egipcia para o jornal Público (ver aqui um conjuntoo de reportagens da sua autoria).

O que me fica de tudo isto é a infinita capacidade de sonhar que o desejo de mudança nos confere, enquanto seres sociais. Recordo a revolução portuguesa de Abri de 1974.

Olhando o estado actual da nossa democracia com desencanto e profundo cepticismo imagino o que poderá sair dali, das ruas do Cairo e de Alexandria e de outras cidades da nação dos faraós. Sinto um aperto no estômago ao comparar a dimensão dos sonhos com a crueza da realidade pós-revolucionária. O povo sai sempre a perder mas a verdade é que os corpos, sem sonhos, não valem nada.

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Céptico como o caraças!


Hoje de manhã descobri que, filosoficamente falando, sou um céptico. Fiquei algo satisfeito por conseguir finalmente encontrar um nome para a minha doença. Ainda por cima essa doença não é uma doença mas uma atitude filosófica.

Ufa, nem sequer tenho necessidade de procurar uma cura. A vida em si, a tarefa diária de a ir vivendo é, em simultâneo, o veneno e o antídoto do céptico. Tão depressa ingiro uma dose letal de realidade aparente, capaz de pôr um cavalo a falar aramaico, como de imediato lhe encontro panaceia adequada. E o cavalo volta a relinchar, apenas e mais nada. As coisas regressam ao seu lugar, definidas pelos contornos habituais e pronto. Segue jogo.

Fico com a sensação que, tal como os cépticos da Antiguidade, procuro a ataraxia. Mas, pensando bem no assunto, não tenho a certeza que seja tanto assim, estou um pouco céptico quanto aos meus reais objectivos de vida e formas de encarar o quotidiano delirante em que navego, constantemente atraído pelo canto cacofónico de um milhão de sereias sedentas da água dos meus sonhos.

(A linguagem figurada permite sempre uma saída airosa, mesmo para um não-céptico.)

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Eu estou aqui


No post anterior apenas manifestei uma certa falta de vontade de escrever. Não quis dizer que ia abandonar o 100 Cabeças. Isso nunca! Primeiro hei-de morrer. Até porque hoje fui ver o Cisne Negro...

O mundo está de pantanas e tenho estado a observar. O Egipto... meu deus, quem havia de imaginar uma coisa daquelas!? E depois as pessoas continuam a ser pessoas, como poderia desistir por completo de escrever umas quantas linhas neste blogue, uma vez por outra?

Sinto-me como um gajo que quer sonhar um sonho mas que não consegue sonhá-lo nem quando está acordado. Isso é que me dificulta a acção. Isso e o Acordo Ortográfico. Estou longe de ser capaz de deixar caír as consoantes mudas e outras coisas do género. Sinto-me um pouco dinossáurico.

E hoje fui ver o Cisne Negro....