terça-feira, agosto 25, 2009

Virgindade perdida?

um trabalho de Vhils algures em Lisboa (parece-me)

Li um interessante artigo num dos milhentos suplementos do Público sobre a forma como o grafiti e a arte da rua se estão a transformar em negócios com futuro promissor. Há inclusive uma empresa londrina que oferece "tours" privados para grupos até 5 pessoas pelas ruas do East End por 186€. Aquilo que em Portugal ainda pode dar problemas legais aos grafiteiros, está já ao nível do investimento comercial lá para as bandas de Londres e arredores. É por essas e por outras que uns crescem e outros sofrem de ananismo económico.

É claro que um gajo como Banksy dá muito jeito para publicitar e convencer as forças vivas da nação da importância da arte da rua no panorama cultural contemporâneo. Mas há, decerto, um milhão de artistas com as mesmas potencialidades à espera do momento oportuno para explodirem dentro deste mundo. O garafiti é uma espécie de super-artesanato, uma forma de expressão popular espontânea e de cariz absolutamente urbano, uma materialização espêssa e viscosa da cultura global que se pretende asséptica e liofilizada.

Agora que está já a chegar aos museus e galerias, que as obras dos artistas mais vistosos começam a ser cobiçadas não pelos putos da rua mas pelos putos da mansão em frente, a arte da rua conseguirá manter a sua fúria criativa? Veja-se o que aconteceu com a música popular. O que restou do Rock ou do Punk? Uns velhinhos que andam por esse mundo em digressão, umas poses, uns penteados, umas modas mais ou menos genuínas e pouco mais. Coisas que se vendem, aquilo a que chamamos "merchandising". Desde que se tornou um negócio que a selvajaria da música popular ficou ao nível da do ursinho de peluche. O objectivo de produzir um hit formata de tal modo as pessoas que só são capazes de criar música que não fica a dever nada às latinhas do Manzoni.

Com o tempo, a arte da rua haverá de conhecer novos fenómenos e inventará outras direcções que agora nem somos capazes de imaginar. Entretanto haverá quem nos surpreenda e fascine, quem nos faça sorrir ou simplesmente abanar a cabeça para espantarmos alguma mosca mais insistente que não nos queira deixar em paz. Entretanto convido-te a dares uma olhadela a este vídeo de Vhils em pleno acto criativo. Penso que não darás o teu tempo por perdido.

sábado, agosto 22, 2009

Forma e conteúdo


A ideia de uma eleição democrática aos olhos de um cidadão ocidental pode resumir-se rapidamente: os candidatos apresentam os respectivos programas eleitorais; segue-se um período de debate e esclarecimento com forte intervenção dos meios de comunicação social que vai revelando os resultados de milhentas sondagens; os eleitores acompanham estes acontecimentos, debatendo também, entre si, à medida que os candidatos se vão revelando; finalmente os cidadãos eleitores depositam os votos nas urnas (ou votam electronicamente) que serão contados de forma justa, na presença de representantes de todas (ou da maioria) as forças concorrentes à eleição. É aqui que reside a pedra de toque de todo o processo. Depois, quem tem mais votos ganha. Os candidatos derrotados felicitam os vencedores e todos vão às suas vidas. Límpido e cristalino de tão simples.

Os números são publicados e dissecados, tornando-se a "coisa em si". As percentagens são analisadas e explicadas e as peripécias da campanha vão sendo esquecidas até restarem apenas tabelas com numerozinhos mais ou menos mágicos que acabam por ficar para a História.

No Afeganistão não podia acontecer nada disto! Num país em plena guerra, a lisura do processo parecia interessar mais aos observadores das nações estrangeiras que ali mantêm exércitos (de ocupação?).

Durante a campanha, com mais de 30 candidatos, anunciaram-se as mais variadas falcatruas. Após o fecho das urnas dois candidatos apressaram-se a reclamar vitória, com indicação da percentagem de votos que teriam obtido e tudo. A tensão subiu em flecha e o potencial de violência passou a vermelho. Muitas mulheres se apresentam de burka na mesa eleitoral e todos os participantes mergulham o indicador numa tinta indelével para evitar votos duplos que, mesmo assim, parecem ser bastante vulgares. Os talibãs terão ameaçado cortar dedos pintados que encontrassem agarrados a mãos eleitoras. Pelo menos dois dedos foram cortados. Isto é um pormenor (dois pormenores) se tivermos em conta o número de mortos e feridos em atentados nos últimos dias.

Enfim, parece que o mais importante para toda a gente serão os tais numerozinhos mágicos, as percentagens finais que serão validas e publicadas com o aval da União Europeia e dos Estados Unidos da América. Mesmo que esses números resultem de uma sucessão de anormalidades democráticas, serão comentados como uma vitória da democracia. Haverá um presidente eleito no cadeirão de Cabul que servirá de espelho aos ocidentais interessados em manter poder e influência por aquelas bandas.

A questão final é: como pode existir uma democracia num país em guerra de desagregação? Como podem funcionar instituições democráticas com metralhadoras e explosões à hora do telejornal? Sinceramente, o que eu vejo ali é uma anedota algo macabra. Aquela imitação grotesca das democracias ocidentais transforma os eleitos em pouco mais que palhaços ao serviço das "ajudas" internacionais. Aquilo não é uma democracia! Pela razão simples de que a democracia é um sistema de governação que implica a aceitação das suas regras básicas que têm raízes culturais profundas. O Afeganistão não parece estar preparado para a democracia. Sinceramente, parece-me que não está sequer interessado nisso. Um pouco de paz... isso sim, seria perfeito.

quinta-feira, agosto 20, 2009

A 800 metros do sexo feminino



Ontem à noite estava eu a fazer zapping entre os milhentos canais da televisão, quando passei pelo Eurosport e fiquei a ver um resumo das provas do dia dos campeonatos mundiais de atletismo que estão a decorrer em Berlim. As imagens eram da corrida dos 800 metros femininos e uma das atletas, com um equipamento algo diferente dos restantes, comandava com aparente facilidade. Tudo bem, já se sabe que nestas corridas rápidas há sempre quem se lance na frente durante uma volta ou volta e meia e, no final, ao sprint, veja passar em alta velocidade as adversárias que guardaram forças.

Mas, desta vez, a comandante do pelotão não fraquejava nem um pouco. Antes pelo contrário. Com um estilo de corrida pouco usual, parecendo mais dar grandes passadas, como se caminhasse muito depressa, quase sem saltar entre um passo e outro, Caster Semenya, uma jovem sul-africana de 18 anos de idade, ia cavando a distância para as suas mais directas competidoras, acabando por vencer com uma distância e uma facilidade inesperadas em relação à segunda classificada, a queniana Janeth Jepkosgei, anterior campeã mundial. As 3ª e 4ª chegaram em cima da 2ª, num sprint espectacular e admirável. Longe da vencedora que parecia ter ido ali correr como se estivesse apenas com receio de se atrasar para apanhar o comboio.

Quando a imagem focou de perto a vencedora (nunca antes a tinha visto) pareceu-me pouco feminina. A forma como caminhava, gingando os ombros e flectindo os joelhos a cada passo, fazia lembrar um jovem rapper. A ausência de peito e uma espécie de buço a emoldurar-lhe os lábios completavam a sensação de se estar perante um rapaz e não uma rapariga.

Outro pormenor estranho; Caster não parecia muito feliz, ainda menos eufórica, ao contrário das outras medalhadas que sorriam e saltavam de contentamento, Caster sorria pouco ou nada. Algo incomodava aquela campeã.
Hoje, ao ler os jornais, lá vinha a notícia "IAAF quer saber se campeã dos 800 metros é uma mulher". A feminilidade da campeã é posta em causa. Tudo bem. Maria de Lurdes Mutola, uma anterior campeã moçambicana na mesma distância também parecia um homem. Ao que parece suspeita-se que Caster seja hermafrodita.

Fiquei a pensar no caso. Onde poderão competir os atletas hermafroditas? Com os homens? Com as mulheres? Ou terá de ser criada uma competição especial exclusiva? Teria a sua piada, numa corrida de 800 metros para o campeonato do mundo para atletas hermafroditas, a campeã ser posta em causa, sob suspeita de ser uma mulher, tendo de provar o contrário sob o risco de lhe ser negada a vitória.

A finalizar, uma curiosidade retirada do Público: "(...) em 1992, no seguimento de testes laboratoriais realizados nos Jogos Olímpicos de Inverno e de Verão, chegou-se à conclusão que um em cada 500-600 desportistas analisados teria problemas na determinação do sexo".

terça-feira, agosto 18, 2009

Embuste global


Todos os anos, o parasita da malária infecta 200 a 500 milhões de pessoas no mundo e mata um a dois milhões. Então, o que é que protege naturalmente da morte a esmagadora maioria dos infectados? A equipa de Miguel Soares, do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, acaba precisamente de descobrir um mecanismo de protecção natural contra as formas graves da malária e hoje publicou os resultados na revista norte-americana “Proceedings of the National Academy of Sciences”.


Esta notícia (ler aqui) é motivo de regozijo, evidentemente. Mas o que me chamou a atenção foram os números, logo a abrir; "Todos os anos, o parasita da malária infecta 200 a 500 milhões de pessoas no mundo e mata um a dois milhões. " Ena, tanta gente, não é? Porque motivo não andam as grandes companhias farmacêuticas frenéticamente empenhadas na busca de um medicamento que ponha fim a este flagelo? A resposta parece óbvia, a malária não é uma doença económicamente interessante já que a sua incidência se verifica em zonas e em países onde as populações têm um nível de vida próximo da miséria mais abjecta. Como já foi frisado num post anterior, a gripe A é uma mina de ouro (aqui não se aplica a imagem da Galinha dos Ovos de Ouro, por ser uma gripe suína, Porco dos Ovos de Ouro não ficava bem...) por ser uma doença que ataca nos países desenvolvidos da mesma forma que nos países mais pobres.

Tudo indica que a pandemia da paranóia a que assistimos com o aumento de casos de H1N1 tem motivações mais do foro económico que do foro de uma preocupaçao genuína com a Saúde Pública. Isto mostra como a nossa sociedade global é gerida. Não são motivações humanitárias que estão na génese das guerras mais recentes. O Iraque foi um caso óbvio. Não é a preocupação com os direitos humanos que dita as grandes linhas da diplomacia como podemos constatar quando observamos a forma como a comunidade internacional lida com Angola ou com a Birmânia. Não. O que move a globalização é o sujo e vil metal. Só o dinheiro interessa a quem o tem. Nada mais. Nadinha! Quando vemos aqueles senhores enfatuados a discursar com cara de enterro, preocupados com os males do mundo enquanto remexem os bolsos por debaixo da mesa, estamos a assistir ao grande embuste global.

sexta-feira, agosto 14, 2009

Inimigos


Hoje fui ver o Johnny Depp em Inimigos Públicos. Um belo filme, sem sombra para dúvidas. Sobretudo teve o condâo de me deixar sossegado quanto às qualidades do actor. De há uns tempos para cá que andava desconfiado de que a minha admiração por Depp se devia mais a Tim Burton do que ao rapaz. Começava a vê-lo como um construtor de personagens que pouco mais seriam do que bonecos magnificamente enquadrados pela câmara de filmar de Burton. Em Inimigos Públicos o Johnny Boy mostra qualidades suficientes para espantar as dúvidas. Vai muito bem sem fazer qualquer tipo de esgar ou palhaçada.

A trama do filme, situada na Grande Depressão, gira em volta da personagem de John Dillinger, o assaltante de bancos. Numa época como aquela que vivemos, onde os bancos voltam a ser os maus da fita (alguma vez deixaram de o ser?), a simpatia pelo bandido ultrapassa de longe a que pudessemos desenvolver por Melvin Purvis, o bófia interpretado por um Christian Bale cada vez mais fechado numa concha empedernida.

Aquela Depressão durou anos. A nossa, ao que nos querem fazer crer, está já a ser ultrapassada. Um anito apenas e as economias parecem querer voltar a crescer, ainda que apenas gatinhem e estejam a aprender a andar outra vez.

Passados estes anos todos, os capitalistas aprenderam que, para poderem viver no luxo, têm de ter alguma calma. Sem consumidores não há sistema económico que se aguente. Assim, estão a redistribuir as migalhas necessárias para que as célebres classes médias possam regressar aos seus hábitos de consumo que lhes enchem os bolsos.

O caso da Gripe A é paradigmático. Andavam dodinhos para encontrarem uma Pandemia que atacasse os países capitalistas. Reparem como há grandes laboratórios a trabalhar dia e noite para produzirem em larguíssima escala uma vacina que se VENDA como se fosse oxigénio na Lua. Alguém vai ficar podre de rico à custa de uma doença que não é tão agressiva como a pintam. Enquanto isso, em África, continua a morrer-se de desinteria ou malária. Quem se incomoda com isso?

Voltando a Inimigos Públicos, termino dizendo que Dillinger, nos nossos dias, seria uma personagem impossível. É de um passado distante que nos fala o filme, apesar de nos parecer próximo. Os inimigos são semelhantes, mas os métodos que utilizam não têm nada a ver. O H1N1, por exemplo, é um estranho aliado dos grandes capitalistas e não há Dillinger que o passe a tiro de metralhadora.

terça-feira, agosto 11, 2009

Uma questão de chá

lá ao fundo está a Gioconda, absorvendo por completo todo o espaço em volta


Atirar um pouco de chá contra a urna de vidro que envolve e encerra a Mona Lisa parece ser uma acção algo frouxa. Aconteceu no passado dia 2. Segundo os relatos, uma turista russa atirou chá à mais célebre pintura de Leonardo não provocando qualquer dano. "As autoridades acreditam que a mulher sofre da síndrome de Stendhal, que faz as pessoas agirem de forma irracional, quando tocadas por uma obra de arte."

Ora aí está uma maleita pouco conhecida mas eventualmente bastante comum, a Síndrome de Stendhal. A descrição dos sintomas que podemos encontrar na Wikipédia (onde poderíamos encontrar essa informação a não ser ali?) é um tanto estranheca. Uma pessoa fica sem ar, sente vertigens, alucina perante uma sequência demasiado avassaladora de obras de arte que a deixam palpitante, em absoluto ataque de nervos. E... pimba! Uma pessoa ataca a obra responsável por tanta agitação. É lógico.

É mais ou menos célebre a história de Joe Berardo que terá comprado uma reprodução da Gioconda (um poster) convencido de estar a adquirir uma pintura original. Na época foi a sua mulher quem lhe chamou a atenção para o facto de que não haveria dinheiro que comprasse o original e o futuro Comendador decidiu ali mesmo que a aquisição de obras de arte verdadeiras seria parte do seu futuro (parte do seu presente), numa manifestação ligeira de uma variante da Síndrome de Stendhal. Não lhe deu para destruir obras de arte mas sim para as amontoar, aparentemente para se vingar da sua própria ingenuidade, agora largamente ultrapassada. Ainda bem que o homem adoeceu assim. Hoje podemos admirar o resultado da sua doença para nosso proveito próprio.

Voltando ao caso da turista russa que atirou chá à Gioconda, penso que todos nós devemos alguma solidariedade à senhora. Não é fácil visitar o Museu do Louvre sem ficar profundamente impressionado pela enormidade monstruosa das suas colecções. Visitei esse monstro cultural aqui há uns anos. No primeiro dia vagueei pelas suas salas e corredores durante 9 longas horas. E saí com a sensação de que tinha perdido imensa informação importante. Dois dias depois voltei ao ataque. Desta vez aguentei apenas 7 horas (uma pessoa tem limites!) e senti uma revolta profunda. Não sei se fruto do cansaço ou se acometido de um ataque da Síndrome de Stendhal, dei por mim a maldizer aquilo. Aquele lugar é um caixão de civilizações. Frisos de templos gregos enfiados em pátios interiores em camadas sucessivas, atarracados e descontextualizados; estátuas clássicas arrumadas em salões imensos, como se fossem florestas de mármore ou carcaças de animais penduradas num matadouro; corredores atravancados das mais extraordinárias pinturas de todas as épocas, nomeadamente dos mestres italianos do Renascimento; salas e salas com vitrinas repletas de pequenos objectos saqueados nos mais variados pontos do globo terrestre... um mundo sem fim enfiado num lugar vagamente finito, num quase insulto à Humanidade. Foi o que senti.

É evidente que me emocionei até às lágrimas perante diferentes objectos, que me perdi do meu corpo em mais do que uma situação, tive revelações espantosas que me deixaram em êxtase religioso mas, quando saí daquele lugar infernal, estava profundamente indignado. Nenhum povo tem o direito de se apropriar assim dos tesouros dos outros povos e fazer disso bandeira de grandeza.

A turista russa podia ter bebido o seu chá, muito simplesmente. Mas compreendo que se tenha privado desse prazer na tentativa de fazer justiça pelas suas próprias mãos.

segunda-feira, agosto 10, 2009

Passou-bem?

imagem do filme "Eu, robô"



Quando era pequeno os meus avôs (as avós não entram nesta história) quando esticavam a mão não cumprimentavam as pessoas, davam-lhes um "passou-bem". Incentivavam-me a dar um "passou-bem" tanto a conhecidos como a desconhecidos, em sinal de cortesia. A cortesia devia ser sempre o ponto de partida para qualquer contacto com outra pessoa. Claro está que nem sempre a cortesia era sustentável, mas isso é outro caminho, caminho pedregoso, em direcção à floresta selvagem.


Foi assim que me ensinaram. Quando encontro alguém e faço um cumprimento, no meu espírito forma-se aquela palavra, quase uma frase; "Passou-bem?" O contacto estabelecia-se indagando cortêsmente o outro sobre a forma como se sentia, basicamente perguntando se estava de boa saúde. A resposta não é (não era) o mais importante, normalmente é (seria) "Bem, muito obrigado."


Mais tarde, numa aula qualquer, era eu ainda uma criança, um professor contou que, em certos lugares (penso que o professor referiu a Índia, não me recordo com precisão) as pessoas se saudavam umas às outras com uma fórmula completamente diferente; "Já comeu hoje?" Fiquei estupefacto. A revelação foi tremenda! A forma como comunicamos depende de tantos dados específicos que varia enormemente de um lugar para o outro, de um grupo social para outro. Compreendi a diferença como ponto essencial para entrar na vida quotidiana. Isto já foi há muitos anos e nem sei bem porque me lembrei hoje de tal coisa.


Como será que as pessoas se cumprimentam no Irão? Qual a fórmula utilizada na China?


Procurando uma imagem para ilustrar este post apercebi-me de outra variação. Em inglês o termo utilizado para designar o que em Portugal chamamos "aperto-de-mão" é "hand shake", traduzido livremente à letra poderia ser "abano de mão". Nós apertamos, eles abanam, mas, lá no fundo, estamos todos a dar um "passou-bem".

domingo, agosto 09, 2009

A Morte não vai de férias


Mesmo de biquini e óculos escuros, a Morte não pára de trabalhar e procura, incessamente, mais clientes e novas formas de aplicar fundos em investimentos lucrativos. Guerras, doenças, acidentes, os recursos da senhora são inesgotáveis e dão sempre lucro. Constantemente.

A Morte é sempre notícia. Quando morrem desconhecidos o valor da notícia mede-se pelo número de vítimas. Quando morre uma figura pública tem mais a ver com a sua popularidade. De uma maneira ou de outra, a Morte consegue sempre páginas inteiras a ela dedicadas, grandes manchetes e fotos espectaculares. Seja aqui ao lado ou lá longe, o fascínio pela Morte aguça-nos o ouvido, desperta-nos a atenção e põe-nos a comentar com maior ou menor intensidade as suas mórbidas tropelias. Umas vezes provoca terna saudade, outras violenta indignação, mas nunca pára de trabalhar, a malvada.

Entre os 37 xiitas iranianos que foram despedaçados por uma bomba em Mossul e Raúl Solnado, falecido serenamente numa cama de hospital, o resultado prático do trabalho da Morte é semelhante.

Imagino o que seria se a Morte, cansada de tanto trabalhar, resolvesse tirar umas férias. Quero dizer, não imagino, é uma coisa inimaginável. Um dia que fosse sem a visita da morte... na verdade, se isso acontecesse, nem sequer iríamos reparar. Como poderíamos confirmar uma bizarria desse calibre? E não haveria de haver nos jornais uma linha que fosse sobre o assunto. Se calhar é por isso que a Morte não tira férias, ela é uma grande vaidosa e só quer que lhe dêm atenção. Se calhar é isso...

segunda-feira, agosto 03, 2009

Mal passado




Eu sou um gajo que assa mal ao sol. Por muito que tente (e não tento) nunca fico bem passado. Deus não me contemplou com o dom da morenice. Rapidamente ganho aquele tom alagostado se me descuido, ficando na praia para lá do tempo certo. Memórias de uma pele incómoda obrigam-me a evitar excessos. Há os cremes protectores, os guarda-sóis, as t-shirts, as esplanadas, uma vasta gama de subterfúgios capazes de manter a minha pele razoavelmente saudável e protegida da inclemência de Ra. Daí que, sempre que vejo uma pessoa cor-de-rosa como um pedaço de carne de porco antes de cozinhar, sinta uma suave perplexidade.

Pronto, eu sei, para ficarem daquela cor terão de reunir várias qualidades:

1) Não devem fazer ideia do que é sentir a pele apertada sobre os ossos com um calor permanente, como se o corpo suasse para dentro, incapaz de suportar o mais leve toque que não seja o de uma brisa milagrosa que de nós se condoa;

2) Vêm de lá detrás do sol nascente por alguns dias. Vêm precisamente à procura das praias e do sol. Os poucos dias de que dispõem nesta espécie de paraíso quase tropical agarrado ao queixo da Europa embota-lhes o espírito ao ponto de os levar a colocarem-se directamente debaixo do astro-rei mais tempo do que a conta;

3) São simplesmente estúpidos ou ignorantes como um burro ansios perante um caixote de cenouras colocado à beira de um precipício;

4) Podem ainda configurar uma personagem que não se enquadre em nenhuma das descrições anteriores e terem, apenas, azar.

Seja como for, fico sempre algo espantado perante aqueles corpos rosados, debaixo de cabelos claros e, quase sempre, demasiado longe dos pés, lá nas alturas. Loiros e rosados, ainda assim continuam debaixo do sol. Imagino que muitos deles derretam, escorrendo simplesmente para o bueiro na valeta. Imagino que serão fruto da minha imaginação, que ninguém expõe daquela forma a fragilidade da sua pele à inclemência de uma eterna divindade egípcia que, como todas as divindades, se está bem a cagar para as dores e os problemas dos seres a que chamamos humanos.

Gulodice tropical


Acabei de ler Barroco Tropical de José Eduardo Agualusa. Tinha começado a leitura no fim-de-semana anterior e interrompi-a. Neste fim-de-semana regressei ao ponto em que havia suspendido a leitura . Este regresso deixou-me um pouco confuso devido ao tempo que, entretanto, se tinha entrometido entre mim e as aventuras de Bartolomeu Falacato, personagem mais ou menos central da narrativa. Assim sendo resolvi voltar atrás, ao início. A releitura das primeiras 80 páginas revelou-se um exercício de puro prazer (para os curiosos que pretendam ler o 1º capítulo clicar aqui, entrada para a revista LER). Quantos livros eu devia reler na busca de experiências como esta? Mas, se não lesse novos livros, como haveria de saber que releituras fazer? Este dilema deixa-me frequentemente indeciso. Por vezes compro livros que já li e coloco-os na prateleira depois das primeiras páginas com a firme convicção que será aquela a próxima leitura a fazer. Entretanto começo um livro que nunca li e esqueço aquele. Uma confusão mais ou menos nada confusa mas capaz de me fazer rodopiar que nem uma folha batida pelo vento dos dias que se atrasam caindo do calendário.

Este foi o meu 3º livro de Agualusa. Depois de Nação Crioula e O Vendedor de Passados, Barroco Tropical mantém-me curioso e com vontade de ler mais livros deste artista. Não falta por onde escolher, há 18 títulos disponíveis.

Em Agualusa gosto das histórias que vêm sempre dentro da história que ele conta, como bonecas russas (esta imagem serve para tudo!). Segui com interesse grande parte das crónicas que ele publicou na revista dominical do Público ao longo de alguns anos (quantos anos?) graças à extraordinária inventividade da sua escrita. Com ele o Português sabe umas vezes bem e outras vezes sabe melhor ainda. Confesso que o leio por pura gulodice.

domingo, agosto 02, 2009

Muitas bolinhas




H1N1, H5N1 e Influenza (já não sei porque ordem)


Esta coisa do vírus H1N1 mete um bocado de medo. A forma como se está a alarmar a opinião pública com a contagem de casos confirmados de pessoas que contraíram a gripe mete medo. E mete medo porque, aparentemente, o alarme não se justifica por aí além. Em Portugal já foram confirmados 310 casos. A notícia é dada de uma maneira que parece uma coisa terrível. Mas poderiam dizer que 310 portugueses já estão imunes ao vírus ou então podiam enfatizar o facto de todos eles terem recuperado da infecção sem problemas. Podiam dar assim a notícia, mas não. Na TV os pivots dos telejornais sublinham os números fazendo aquela cara de cú que costumam afivelar para as situações mais problemáticas.
Nesta vertigem meio aparvalhada sou levado a perguntar onde anda o H5N1, o terrível vírus da gripe das aves que deixou o mundo de pantanas ainda não há assim tanto tempo quanto isso? E o velho vírus da "influenza"?
Tanta barulheira parece trazer um oceano no bico. A quem aproveitam estas situações de alarme paranóico? À populaçãozinha que anda para aí a bater mal da carola não aproveita nem um bocadinho. Alguém está a esfregar as mãos de contente e nem sequer se dá ao trabalho de as lavar como deve ser. Não precisa.


Nota: a propósito desta salsada aqui fica um link que poderá ajudar a espantar as aves de mau agoiro. Tem alguns dados interessantes e elucidativos sobre a questão.